Somewhere
Somewhere
de Sofia Coppola
Espaço de Cinema 2 (Unibanco)
Há diversas formas de ver Somewhere, o novo filme de Sofia Coppola, que recebeu em português a terrível tradução de “um lugar qualquer” (ao invés de “em algum lugar”, o que é muito diferente). A primeira delas é que Somewhere não deixa de ser um retrato de um artista rico e famoso. Se fosse no Brasil, Sofia Coppola seria acusada de alienada ou escapista. Mas esse ator poderia ser o Adriano ou qualquer outro jogador de futebol. Mas, para além do gracejo, cito isso apenas porque no fundo, numa analogia com o próprio título, Somewhere poderia se chamar “Somebody”. Sofia faz uma crítica ao sistema do estrelato e à ambição do sucesso, mas no fundo a crise para a qual seu filme aponta pode ser entendida num contexto bem maior que a dos milionários.
Os três primeiros filmes de Sofia Coppola, repleto de méritos, em maior ou menor grau, sempre apontavam para uma certa hiperestilização. Mesmo em Encontros e Desencontros, seu filme mais contido, essa mesma contenção era obtida a partir de uma estilização, que poderia ser resumida em duas estratégias básicas: a forma como as luzes de neon da cidade de Tóquio eram retratadas no filme e a máscara do personagem de Bill Murray – uma nova versão da “great stone face” de Buster Keaton pós-Rushmore de Wes Anderson.
Somewhere pode ser visto como muitos como uma retomada (uma mera repetição) da boa repercussão de Encontros e Desencontros, após o fracasso de Maria Antonieta, mas é preciso ir além dessa comparação imediata. Pois Somewhere avança no sentido de espantar os cacoetes de seus filmes anteriores para mergulhar numa narrativa de contenção. Por isso alguns chegaram a apontar que na verdade o filme se parece mais com The Brown Bunny do que com Encontros e Desencontros – o que pode ser visto pelo primeiro plano do filme, claramente “chupado” do filme do Vincent Gallo. Tendo a concordar com esse ponto.
Mas, acima de tudo, uma das formas de ver Somewhere é que ele pode ser visto como uma enorme tentativa de uma filha de abraçar o pai. Talvez Somewhere seja um profundo acerto de contas de Sofia com seu pai, Francis Ford Coppola. E o mais bonito é que esse acerto seja feito pelo ponto de vista do pai, e não da filha. Somewhere, portanto, não é A Culpa do Fidel, em que o próprio ponto de vista infantil é colocado nessa relação numa forma de diálogo com o próprio cinema do pai. Ou ainda, Somewhere não é Person, em que a filha, num documentário, faz autoanálise tentando denunciar o abandono do pai e se inserir no cinema a partir disso.
Nada disso. Somewhere é simplesmente um acerto de contas pessoal, um abraço compreensivo, um filme sobre uma filha que olha um pai mas uma filha olhando para esse passado a partir de hoje, imaginando-se no lugar do pai. Essa oscilação (esse jogo de espelhos) entre a posição do pai e da filha, ou ainda, entre a narrativa e a “vida real” é que dão um beleza triste ao filme de Sofia. Nesse jogo de espelhos é também bom lembrar que Sofia começou no cinema querendo ser atriz.
A diferença entre as atuações de Bill Murray e Stephen Dorff é uma das principais chaves das diferenças entre Encontros e Desencontros e Somewhere. Dorff está extraordinário.
O cinema de Sofia Coppola é algumas vezes acusado de ser muito blasé. Em Somewhere, extremamente simples e delicado, há uma tentativa de olhar de frente para um cinema, sem efeitos, cacoetes ou purpurinas. Existe um certo esvaziamento da narrativa que nos remete a um certo cinema contemporâneo, mas o acerto de Coppola é que o filme parece pouco preocupado em se inserir ou contestar, mas “apenas” em seguir com seu personagem. A forma delicada e esguia como Sofia acompanha alguns momentos na vida de um homem rico e famoso mas que lhe falta algo mais profundo nos faz pensar como a felicidade acontece nos momentos mais simples. E como é trágico que esses belos momentos sejam tão passageiros e etéreos. A frontalidade com que Sofia lida com essas questões – também no nível de uma encenação, que é o que mais me interessa – é extremamente comovente, ainda mais dados os rumos prévios de sua filmografia.
Talvez seja o momento em que os tenha visto, que coincide muito com minha própria vida pessoal e com minha visão sobre as coisas, mas 2011 já me proporcionou dois filmes de grande impacto emocional: O CÉU SOBRE OS OMBROS e SOMEWHERE.
de Sofia Coppola
Espaço de Cinema 2 (Unibanco)
Há diversas formas de ver Somewhere, o novo filme de Sofia Coppola, que recebeu em português a terrível tradução de “um lugar qualquer” (ao invés de “em algum lugar”, o que é muito diferente). A primeira delas é que Somewhere não deixa de ser um retrato de um artista rico e famoso. Se fosse no Brasil, Sofia Coppola seria acusada de alienada ou escapista. Mas esse ator poderia ser o Adriano ou qualquer outro jogador de futebol. Mas, para além do gracejo, cito isso apenas porque no fundo, numa analogia com o próprio título, Somewhere poderia se chamar “Somebody”. Sofia faz uma crítica ao sistema do estrelato e à ambição do sucesso, mas no fundo a crise para a qual seu filme aponta pode ser entendida num contexto bem maior que a dos milionários.
Os três primeiros filmes de Sofia Coppola, repleto de méritos, em maior ou menor grau, sempre apontavam para uma certa hiperestilização. Mesmo em Encontros e Desencontros, seu filme mais contido, essa mesma contenção era obtida a partir de uma estilização, que poderia ser resumida em duas estratégias básicas: a forma como as luzes de neon da cidade de Tóquio eram retratadas no filme e a máscara do personagem de Bill Murray – uma nova versão da “great stone face” de Buster Keaton pós-Rushmore de Wes Anderson.
Somewhere pode ser visto como muitos como uma retomada (uma mera repetição) da boa repercussão de Encontros e Desencontros, após o fracasso de Maria Antonieta, mas é preciso ir além dessa comparação imediata. Pois Somewhere avança no sentido de espantar os cacoetes de seus filmes anteriores para mergulhar numa narrativa de contenção. Por isso alguns chegaram a apontar que na verdade o filme se parece mais com The Brown Bunny do que com Encontros e Desencontros – o que pode ser visto pelo primeiro plano do filme, claramente “chupado” do filme do Vincent Gallo. Tendo a concordar com esse ponto.
Mas, acima de tudo, uma das formas de ver Somewhere é que ele pode ser visto como uma enorme tentativa de uma filha de abraçar o pai. Talvez Somewhere seja um profundo acerto de contas de Sofia com seu pai, Francis Ford Coppola. E o mais bonito é que esse acerto seja feito pelo ponto de vista do pai, e não da filha. Somewhere, portanto, não é A Culpa do Fidel, em que o próprio ponto de vista infantil é colocado nessa relação numa forma de diálogo com o próprio cinema do pai. Ou ainda, Somewhere não é Person, em que a filha, num documentário, faz autoanálise tentando denunciar o abandono do pai e se inserir no cinema a partir disso.
Nada disso. Somewhere é simplesmente um acerto de contas pessoal, um abraço compreensivo, um filme sobre uma filha que olha um pai mas uma filha olhando para esse passado a partir de hoje, imaginando-se no lugar do pai. Essa oscilação (esse jogo de espelhos) entre a posição do pai e da filha, ou ainda, entre a narrativa e a “vida real” é que dão um beleza triste ao filme de Sofia. Nesse jogo de espelhos é também bom lembrar que Sofia começou no cinema querendo ser atriz.
A diferença entre as atuações de Bill Murray e Stephen Dorff é uma das principais chaves das diferenças entre Encontros e Desencontros e Somewhere. Dorff está extraordinário.
O cinema de Sofia Coppola é algumas vezes acusado de ser muito blasé. Em Somewhere, extremamente simples e delicado, há uma tentativa de olhar de frente para um cinema, sem efeitos, cacoetes ou purpurinas. Existe um certo esvaziamento da narrativa que nos remete a um certo cinema contemporâneo, mas o acerto de Coppola é que o filme parece pouco preocupado em se inserir ou contestar, mas “apenas” em seguir com seu personagem. A forma delicada e esguia como Sofia acompanha alguns momentos na vida de um homem rico e famoso mas que lhe falta algo mais profundo nos faz pensar como a felicidade acontece nos momentos mais simples. E como é trágico que esses belos momentos sejam tão passageiros e etéreos. A frontalidade com que Sofia lida com essas questões – também no nível de uma encenação, que é o que mais me interessa – é extremamente comovente, ainda mais dados os rumos prévios de sua filmografia.
Talvez seja o momento em que os tenha visto, que coincide muito com minha própria vida pessoal e com minha visão sobre as coisas, mas 2011 já me proporcionou dois filmes de grande impacto emocional: O CÉU SOBRE OS OMBROS e SOMEWHERE.
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