"As I was moving ahead ocasionally I saw very brief glimpses of beauty"
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El Secreto de Sus Ojos
O Segredo dos Seus Olhos
Juan José Campanella
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Provavelmente o Brasil, depois da Argentina, tenha sido o país que mais comentou O Segredo dos Seus Olhos, filme de Juan José Campanella. Tudo por causa de um prêmio: o Oscar de Melhor Filme Estrangeiro. O Oscar é tido por muitos como a medalha de ouro da olimpíada no futebol masculino: a honraria que o país nunca conseguirá ganhar. E daí vêm todas as toscas comparações entre o cinema brasileiro e o argentino, toscas porque todas baseadas em uma premiação com uma série de vieses que conhecemos bem. Como se um prêmio dissesse alguma coisa sobre a filmografia de um país, ou ainda, como se tudo girasse em torno da estatueta dourada, como se os cineastas brasileiros fossem personagens de O Falcão Maltês...
Por causa de todas essas tolas discussões, eu confesso que não tinha o menor interesse em assistir a O Segredo dos Seus Olhos. Ainda mais porque eu havia detestado O Filho da Noiva, o mais conhecido filme do diretor. Mas acabei vendo e me surpreendi. Talvez tudo isso faça com que o filme seja visto com alguns preconceitos, sem que as pessoas se dêem conta do projeto de cinema de Campanella, como competente artesão que fala de personagens que tentam reconstruir o seu presente a partir de um outro olhar sobre o passado.
Assim era com O Filho da Noiva, quando um infarto faz com que o personagem de Ricardo Darín acorde para a vida, e entenda o fim do restaurante do pai. Mas nesse filme Campanella ainda estava preso a certos padrões de um melodrama surrado, com um olhar tipicamente passadista e nostálgico. O Segredo dos Seus Olhos é mais maduro na forma como articula “a dor e a delícia” que é estar nesse mundo, e como o presente, ao se revelar uma possibilidade em ver o passado, constrói uma base mais sólida para olhar o futuro.
Antes de tudo, O Segredo dos Seus Olhos é o filme de um artesão. A senha de seu sucesso comercial é a forma como o diretor combina organicamente duas chaves dentro do filme: o melodrama (a relação amorosa entre Darin e Solledad) e o policial (a captura do assassino). Romance ou policial? Na verdade o que une as duas chaves do filme é o próprio processo de criação, inserindo uma certa metalinguagem. Darín escreve um livro sobre o seu passado. Enquanto escreve esse livro sobre seu passado, ele tem a possibilidade de reavaliar o seu presente, e achar um projeto para o seu futuro. Explico melhor: escrevendo esse livro, Darín revisita seu passado, mas ao invés de se perder nele, ele vê essa reavaliação do passado como uma forma de resolver antigas carências, se reencontrar, e encontrar um projeto para o futuro. É como a antiga frase de Paulinho da Viola: “eu não vivo no passado, é o passado que vive em mim”. Darín projeta sua vida de forma diferente de seu amigo viúvo, que durante 25 anos alimentou um projeto de vingança e estacionou sua vida por ali. Há um momento chave do filme em que ele diz “pare de pensar! Quem pensa tem mil passados e nenhum futuro”. Todo o projeto do filme de Campanella é a tomada de consciência desse protagonista de que se deve buscar uma linha para o futuro (um final para o romance) e não uma reavaliação do passado (a vingança, a investigação das razões e dos fatos do passado). Só quando percebe isso o protagonista está em condição de agir, fechando uma porta, na bela cena que encerra o filme.
De um certo ponto de vista, Campanella não deixa de falar sobre uma Argentina. Pode parecer curioso pensarmos o filme como um filme político, uma característica comum ao cinema argentino contemporâneo. Mas não deixa de ser isso, especialmente na forma como Campanella mostra os dilemas éticos no interior da repartição pública, no sistema de justiça argentino. “Vocês não podem fazer nada!”, diz o diretor da repartição, quando liberta um funcionário por implicações políticas. Em seguida, há uma cena que caracteriza isso frontalmente: o prisioneiro liberto, Darín e a diretora estão dentro do mesmo elevador, mostrando os paradoxos da construção do projeto de uma nação argentina. Ou ainda, quando o diretor diz “Essa nova Argentina não se aprende em Harvard!”.
Mas O Segredo dos Seus Olhos é um filme sobre um processo de criação, a escritura de um romance, como a sequência de abertura deixa claro. Darín não sabe como começar o seu livro: com uma cena de amor (o romance entre o casal protagonista), ou com uma cena de estupro (o caso policial do assassinato). No entanto, a trama do personagem de Darín conjuga o romance e o policial. Da mesma forma é o próprio filme de Campanella. Do mundo podem surgir beleza ou terror extremos. Ou, colocando de outro modo, é como se em todo o filme Campanella nos perguntasse, por que esse mundo que pode nos ser tão belo pode também ser tão terrível? É dessa forma que surge uma bela solução visual para esse conflito que cerca todo o filme, essa oscilação entre o amor e o terror, ou ainda, como isso se funde no próprio ato de criação, na escritura: o protagonista escreve num papel TEMO, para depois descobrir que se trata de TEAMO, variação bastante sutil, já que sua máquina de escrever tem a tecla do “a” quebrada, o que o faz completar “a mão” as falhas da escritura. Todo o filme é sobre o percurso desse protagonista em completar “a mão” as falhas dessa escritura mecânica do mundo, preenchendo as lacunas e os vazios com a sua própria caligrafia pessoal.
Por outro lado, essa oscilação é também (diria essencialmente) uma questão de escritura, de como se passa para o papel as inscrições do mundo, ou ainda, como se conta, como se registra o que houve. Isso me lembra de um filme de Richard Linklater, Antes do pôr-do-sol, em que os protagonistas voltam a se encontrar depois de décadas sem se verem, por causa da publicação de um romance, e é o próprio fato de ter escrito esse romance, e como a escritura desse romance foi feita, que aproxima os dois personagens. O real se remodela a partir da escritura de um romance que, por outro lado, foi produzido com a única finalidade de prolongar o sentimento do real. O que quero dizer é que no filme de Campanella, assim como no de Linklater, os personagens escrevem o romance apenas porque só assim conseguem dizer o que sentem para suas sonhadas amadas, e dizendo assim, eles talvez possam suplantar a confissão das páginas mortas, e conquistar o amor do outro. A escrita do romance é uma forma de despertar esses personagens para o mundo, mas ao mesmo tempo é o mundo que os leva para a escrita.
Há outras coisas que gostaria de falar sobre esse filme: como o viúvo é condenado por amar demais, por não conseguir esquecer uma paixão; como o filme articula uma relação íntima entre as esferas profissional e pessoal (o caso de amor acontece dentro do ambiente de trabalho, como os dois se misturam, coisa que tentarei falar sobre o filme Chico Xavier...); ou ainda sobre um plano bastante estranho no filme, um grande tour de force que é a sequência no estádio, um plano sequência absolutamente delirante de cinco minutos. Mas o tempo urge, e confesso que já estou cansado de falar desse filme do Campanella, que nem é tão notável assim. Mostra que “nem ao céu nem a terra”: Campanella mostra que é um hábil artesão. Nada mais, nada menos do que isso.
Comentários
Anônimo disse…
Pois eu achei um dos melhores filmes de sempre da história do cinema. não apenas eu, pois a nota de 8.4 em 10 no imdb, confirmam precisamente a genialidade arrebatadora do filme.
Anônimo disse…
O Filme é belo. Agora, acredite, essas boludices de comparações é sempre da parte paranóica brasileira. O "problema" do filma é que ele é argentino, se fosse boliviano, uruguaio, alemão, ninguém estaria preocupado com isso. O ponto é sempre que fulano, o filme, o time, a glória é argentina e não verde-amarelo.
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