L’homme à la valise
O Homem da Mala
De Chantal Akerman
** ½
Realmente para mim é incrível ver o trabalho da Chantal Akerman. Ver um filme como O Homem da Mala é uma espécie de reencontro com algo que nunca cheguei a conhecer. Parece até que sou um dos personagens de A Dupla Vida de Veronique. O Homem da Mala, para mim, soa como o meu Auto-Retrato do Artista Durante a Gestação. Nele, Chantal revisitou os temas de sempre da sua filmografia – a solidão, o silêncio, os espaços físicos, o diálogo com uma certa autobriografia – mas dessa vez com um elemento novo: o humor, a auto-ironia. A chave para essa modulação está num pequeno curta feito um pouco antes, chamado Lettre de une cineaste, em que Chantal afirma que “é preciso mudar para continuar a mesma”. O caminho para o humor, no entanto, espelha uma certa melancolia, ainda que seja uma obra claramente menor em sua filmografia – e mais: um filme infantil, quase simplório mesmo. A beleza de dar esse passo atrás para poder dar vários a frente é que espelha a busca difusa do cinema de Chantal Akerman e antecipa alguns de seus outros passos futuros (a opção pelo musical, por exemplo). Além disso, O Homem da Mala é uma espécie de Não Amarás e uma espécie de Cinediário. Digo isso porque trata-se de uma mulher (uma artista, no caso, a própria Chantal representando o papel de Chantal) estrangeira em sua própria casa, já que um hóspede acaba residindo na sua casa além do esperado, de modo que ela não tem mais privacidade para poder trabalhar (leia-se escrever o roteiro de um filme, ou ainda, viver). Ela passa a pautar sua vida em função desse “outro”, de forma cada vez mais obsessiva, tornando o filme como um Não Amarás “ao avesso” (ao invés do binóculo, ela tem o ouvido, como falarei mais a seguir). Dessa comédia de equívocos que é “ser estrangeira no seu próprio lar”, vem o tema segundo do filme: o processo de criação, ou ainda, a necessidade de se estar absolutamente só para poder dar vida, para poder criar. Cito Cinediário por inúmeros motivos: primeiro porque Chantal acaba tendo uma rotina obsessiva com os horários da casa, regulando quando seu incômodo visitante não estará na casa para poder afinal estar sozinha; segundo, porque é um filme todo feito de som (e isso é fantástico), já que, como ela não quer encontrar seu hóspede, ela fica o tempo todo observando (ouvindo) os passos dele, que acontecem no fora-de-quadro. Daí que, acima de tudo, O Homem da Mala é um formidável exercício de linguagem cinematográfica.
.
De Chantal Akerman
** ½
Realmente para mim é incrível ver o trabalho da Chantal Akerman. Ver um filme como O Homem da Mala é uma espécie de reencontro com algo que nunca cheguei a conhecer. Parece até que sou um dos personagens de A Dupla Vida de Veronique. O Homem da Mala, para mim, soa como o meu Auto-Retrato do Artista Durante a Gestação. Nele, Chantal revisitou os temas de sempre da sua filmografia – a solidão, o silêncio, os espaços físicos, o diálogo com uma certa autobriografia – mas dessa vez com um elemento novo: o humor, a auto-ironia. A chave para essa modulação está num pequeno curta feito um pouco antes, chamado Lettre de une cineaste, em que Chantal afirma que “é preciso mudar para continuar a mesma”. O caminho para o humor, no entanto, espelha uma certa melancolia, ainda que seja uma obra claramente menor em sua filmografia – e mais: um filme infantil, quase simplório mesmo. A beleza de dar esse passo atrás para poder dar vários a frente é que espelha a busca difusa do cinema de Chantal Akerman e antecipa alguns de seus outros passos futuros (a opção pelo musical, por exemplo). Além disso, O Homem da Mala é uma espécie de Não Amarás e uma espécie de Cinediário. Digo isso porque trata-se de uma mulher (uma artista, no caso, a própria Chantal representando o papel de Chantal) estrangeira em sua própria casa, já que um hóspede acaba residindo na sua casa além do esperado, de modo que ela não tem mais privacidade para poder trabalhar (leia-se escrever o roteiro de um filme, ou ainda, viver). Ela passa a pautar sua vida em função desse “outro”, de forma cada vez mais obsessiva, tornando o filme como um Não Amarás “ao avesso” (ao invés do binóculo, ela tem o ouvido, como falarei mais a seguir). Dessa comédia de equívocos que é “ser estrangeira no seu próprio lar”, vem o tema segundo do filme: o processo de criação, ou ainda, a necessidade de se estar absolutamente só para poder dar vida, para poder criar. Cito Cinediário por inúmeros motivos: primeiro porque Chantal acaba tendo uma rotina obsessiva com os horários da casa, regulando quando seu incômodo visitante não estará na casa para poder afinal estar sozinha; segundo, porque é um filme todo feito de som (e isso é fantástico), já que, como ela não quer encontrar seu hóspede, ela fica o tempo todo observando (ouvindo) os passos dele, que acontecem no fora-de-quadro. Daí que, acima de tudo, O Homem da Mala é um formidável exercício de linguagem cinematográfica.
.
Comentários