O Novo Mundo
O Novo Mundo
De Terrence Malick
Espaço Unibanco 1 30 16hs
***
Alguns autores já escreveram sobre a “experiência-cinema”, um estado entre a vigília e o sono que envolve o espectador quando está diante de um filme, especialmente em condições ideais, numa sala de cinema escura com uma tela de grandes dimensões. Isto nos faz lembrar que a fruição de um simples filme, perdido entre a enorme quantidade de lançamentos dessa infindável “linha de produção” que parte das majors, ainda pode ser uma experiência. O enigmático Terrence Malick parece ainda acreditar nisso, e suas obras refletem as inúmeras contradições do mainstream da indústria cinematográfica norte-americana: o diretor se transformou em diretor cult e objeto de mídia exatamente por fugir e negar as regras e os padrões de promoção pessoal dessa mesma mídia, realiza projetos grandiloquentes e luxuosos para exprimir uma visão eminentemente pessoal, enfim, usa as regras implícitas desse sistema para questionar a arrefecer sua mesma estrutura.
Mas aqui o que nos importa é a segurança, é o desejo de risco, é o envolvimento na realização de um projeto de grandes pretensões artísticas, logísticas, históricas, sociológicas, enfim, e a maturidade na condução do que parece improvável: um produto do espetáculo da indústria americana aliado com um filme autoral que vai praticamente na contramão do mero produto para o público.
Malick investe num certo mito de origem da formação da sociedade americana, com a chegada do primeiro grupo colonizador no “Novo Mundo” e seu contato com a tribo indígena do local e suas dissidências internas. É um filme-Outro que fala de si, pois os ingleses e os indígenas são o cerne da formação dessa etnia outra, que é a americana. E com isso, Malick recupera os seus temas de sempre, fazendo uma espécie de síntese entre Além da Linha Vermelha e Cinzas do Paraíso: como a guerra faz parte da condição humana, e como em si traz elementos de transformação e de destruição. Ou ainda como o desejo imperialista da nação americana vai de encontro a um mundo idílico de recuperação dos sentidos e de total simbiose com as forças místicas da natureza, representados pela tribo local. O coronel bastardo e a índia Pocahontas são, nesse sentido, dois anjos caídos, estrangeiros de seu grupo e estranhos a si mesmo, por isso são dois irmãos de alma, personagens além e aquém de seu tempo. Ambos têm o desejo de paz e de integração, mas suas próprias naturezas e seu senso de dever e fidelidade a seus mundos próprios são a causa mesma de propagação da destruição e de intensificação dos atritos: é assim a natureza das coisas. O cinema de Malick está todo lá: a integração fugidia entre o Homem e a natureza, e sua própria natureza dominadora e agressiva; as amplas gruas que abraçam essa geografia local, com movimentos largos e reflexivos, combinados com uma romântica e improvável história de amor. Mas a melancolia com que Malick abraça esse imiscuimento entre esses dois mundos distantes alcança níveis impensáveis na segunda parte da história, mudando completamente seu eixo. E como é triste a integração de Pocahontas à civilização anglo-americana! Em seu encanto mudo, a princesa Pocahontas é vítima da terrível miséria da condição humana, ou ainda de um desejo desmedido de superar a si mesmo. São quase insuportáveis as seqüências em que a índia visita a Inglaterra, e caminha pelas ruas e observa as construções. Ali está a máxima expressão de todo um sentido trágico da filmografia de Malick, numa tristeza muda e conformada a pertencer a um mundo ausente de si mesmo.
Mesmo com uma certa ingenuidade dessa história de amor (aliás, a palavra “ingenuidade” está presente em todos os filmes do diretor), e num certo tom de estereótipo com que alinha os personagens em torno do casal principal, e em um final um tanto moralista, O Novo Mundo é mais uma grande obra desse impensável Terrence Malick, uma grande experiência, viva, pulsante, grandiosa, imperfeita, estranha, um tipo de filme que desperta grandes dúvidas e que nos arrebata pela maestria na execução desse grande empreendimento, ao mesmo tempo que nos envolve por sua paixão, pelo seu tom particular, pelo mistério que envolve presenciar sua exibição.
De Terrence Malick
Espaço Unibanco 1 30 16hs
***
Alguns autores já escreveram sobre a “experiência-cinema”, um estado entre a vigília e o sono que envolve o espectador quando está diante de um filme, especialmente em condições ideais, numa sala de cinema escura com uma tela de grandes dimensões. Isto nos faz lembrar que a fruição de um simples filme, perdido entre a enorme quantidade de lançamentos dessa infindável “linha de produção” que parte das majors, ainda pode ser uma experiência. O enigmático Terrence Malick parece ainda acreditar nisso, e suas obras refletem as inúmeras contradições do mainstream da indústria cinematográfica norte-americana: o diretor se transformou em diretor cult e objeto de mídia exatamente por fugir e negar as regras e os padrões de promoção pessoal dessa mesma mídia, realiza projetos grandiloquentes e luxuosos para exprimir uma visão eminentemente pessoal, enfim, usa as regras implícitas desse sistema para questionar a arrefecer sua mesma estrutura.
Mas aqui o que nos importa é a segurança, é o desejo de risco, é o envolvimento na realização de um projeto de grandes pretensões artísticas, logísticas, históricas, sociológicas, enfim, e a maturidade na condução do que parece improvável: um produto do espetáculo da indústria americana aliado com um filme autoral que vai praticamente na contramão do mero produto para o público.
Malick investe num certo mito de origem da formação da sociedade americana, com a chegada do primeiro grupo colonizador no “Novo Mundo” e seu contato com a tribo indígena do local e suas dissidências internas. É um filme-Outro que fala de si, pois os ingleses e os indígenas são o cerne da formação dessa etnia outra, que é a americana. E com isso, Malick recupera os seus temas de sempre, fazendo uma espécie de síntese entre Além da Linha Vermelha e Cinzas do Paraíso: como a guerra faz parte da condição humana, e como em si traz elementos de transformação e de destruição. Ou ainda como o desejo imperialista da nação americana vai de encontro a um mundo idílico de recuperação dos sentidos e de total simbiose com as forças místicas da natureza, representados pela tribo local. O coronel bastardo e a índia Pocahontas são, nesse sentido, dois anjos caídos, estrangeiros de seu grupo e estranhos a si mesmo, por isso são dois irmãos de alma, personagens além e aquém de seu tempo. Ambos têm o desejo de paz e de integração, mas suas próprias naturezas e seu senso de dever e fidelidade a seus mundos próprios são a causa mesma de propagação da destruição e de intensificação dos atritos: é assim a natureza das coisas. O cinema de Malick está todo lá: a integração fugidia entre o Homem e a natureza, e sua própria natureza dominadora e agressiva; as amplas gruas que abraçam essa geografia local, com movimentos largos e reflexivos, combinados com uma romântica e improvável história de amor. Mas a melancolia com que Malick abraça esse imiscuimento entre esses dois mundos distantes alcança níveis impensáveis na segunda parte da história, mudando completamente seu eixo. E como é triste a integração de Pocahontas à civilização anglo-americana! Em seu encanto mudo, a princesa Pocahontas é vítima da terrível miséria da condição humana, ou ainda de um desejo desmedido de superar a si mesmo. São quase insuportáveis as seqüências em que a índia visita a Inglaterra, e caminha pelas ruas e observa as construções. Ali está a máxima expressão de todo um sentido trágico da filmografia de Malick, numa tristeza muda e conformada a pertencer a um mundo ausente de si mesmo.
Mesmo com uma certa ingenuidade dessa história de amor (aliás, a palavra “ingenuidade” está presente em todos os filmes do diretor), e num certo tom de estereótipo com que alinha os personagens em torno do casal principal, e em um final um tanto moralista, O Novo Mundo é mais uma grande obra desse impensável Terrence Malick, uma grande experiência, viva, pulsante, grandiosa, imperfeita, estranha, um tipo de filme que desperta grandes dúvidas e que nos arrebata pela maestria na execução desse grande empreendimento, ao mesmo tempo que nos envolve por sua paixão, pelo seu tom particular, pelo mistério que envolve presenciar sua exibição.
Comentários
O combustivel da melancolia no encontro dos mundos é o "positivismo" da indiazinha, que pode ser entendido como ingenuidade, ou não. Não sei se melancolia é um conceito freqüente para um indígena.
Abração.