mais de Desertum

Mais sobre Desertum pós-carta do Ricardo:


Sobre o aeroporto:
Quando vi o Terminal do Spielberg, eu fiquei muito impressionado. Nos primeiros 15 minutos, Spielberg descortina a geografia do aeroporto como um posto pós-moderno: as luzes, as gruas, os espaços metálicos, as pessoas em trânsito, o fluxo e a imobilidade (os aeroportos sempre são imponentes). Aquele aeroporto era o meu posto de O Posto; aquele imigrante (Tom Hanks) era o meu guarda: ele queria habitar aquele lugar inabitável, ele queria entender as regras daquele mundo louco (afinal, era a porta de entrada da América). Mas com uma diferença: ao contrário do meu guarda, o imigrante de Terminal queria sair dali, estava ali não por opção: seu sonho era entrar na América.

Hoje eu vejo que esse aeroporto é o meu desertum, ou melhor, é o deserto de Edmond Jabès. O aeroporto é um lugar de passagem: ninguém mora ali, ninguém tem uma nacionalidade ali. É por definição um lugar-nenhum, um lugar de passagem.


Sobre Em Casa e Desertum:
É engraçado comparar o Em Casa com o Desertum porque o Em Casa é quase todo feito numa casa em planos fechados; o Desertum é uma viagem ao estrangeiro quase todo em planos abertos. Mas para mim é o mesmo filme (a estrutura é a mesma: têm os planos fixos, tem a viagem da casa de hoje para a casa antiga – a transição é feita de carro e não de avião – e tem o final, que me revela). O que me permitiu fazer o Desertum são os planos exteriores do Em Casa: os planos dos arredores da casa (o campo de futebol do Depois da Noite, meu primeiro vídeo, todo cercado de grade, etc.). Foi isso que abriu o meu olhar, o que no fundo é influência do Victor Erice de O Sol do Marmeleiro.

Aquele estranho desertum é como a minha estranha casa. É como mostra o Jarmusch em Estranhos no Paraíso: os personagens viajam mas no fundo é como se estivessem no mesmo lugar. Depois eles voltam para casa. Tudo está no mesmo lugar, só que agora está diferente.

O avanço do Desertum em relação ao Em Casa é em relação à música: no Desertum, o estranhamento é traduzido também no som, e, melhor ainda, na relação entre som e imagem, o que só foi possível com a participação do Ricardo.


Sobre outras comparações:
O Rosemberg comparou Desertum com O Posto. Achei curioso: há coisas que não percebemos. Ambos são sobre essa cartografia do lugar-nenhum, sobre a falsa descoberta desse lugar-nenhum, sobre o vazio desse espaço.

E, por fim, Desertum é um falso diário de viagem, como espetaculares filmes de Jonas Mekas. Uma grande homenagem ao cinema de Mekas, o cinema mais intimista do mundo, visto pelos olhos dos Irmãos Lumière, e quiçá, de Ozu.

E agora, chega!

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