CREPÚSCULO DE TÓQUIO

 

CREPÚSCULO DE TÓQUIO

Yasujiro Ozu

Tokyo boshoku (Tokyo twilight)

1957

 



Esse é provavelmente o mais sombrio dos filmes de Ozu do pós-guerra, especialmente após o diretor ter encontrado a sua mais plena forma artística em BANSHUN. Ao mesmo tempo, esse forte drama moral me lembra do tom mais duro do cinema do Ozu dos anos 1930, em filmes como MULHER DE TÓQUIO.

Aqui, parece não haver mais espaço para aquela transiência zen que marca o estilo mais conhecido de Ozu, mas a opção é focar na desagregação da família japonesa, e no fracasso do próprio projeto de família. Desta vez, a mãe não morre mas abandona as filhas, e os rastros de sua presença permanecem nas filhas num certo sentido de incompletude: a mais velha deixa o marido; a mais nova, tenta ser independente mas se desilude com um amor que não lhe dá atenção.

Quando a mãe novamente reaparece, o curioso é que não há nenhum espaço para a reconciliação. Ao contrário, a mãe parece que faz eclodir as tensões submersas. Ao mesmo tempo, há segredos que permanecem escondidos: a irmã não sabe do aborto de Arima, o pai não sabe do retorno da mãe.

A cena do suicídio de Arima e sua morte no hospital, dois dos momentos mais graves do filme, nos são reveladas segundo o típico estilo de Ozu: em elipses que nos situam na ação a partir do seu impacto. Forte é a cena em que descobrimos a morte de Arima quando Hara vai ao encontro de sua mãe e diz “a culpa é toda sua”.

O que me toca no filme é que essas três mulheres não conseguem desenvolver uma rede de afetos entre elas para compreender suas escolhas e se ampararem. Ao mesmo tempo em que Hara se desilude com seu casamento arranjado e deixa o marido, ela não consegue perdoar sua mãe por tê-la abandonado para ficar com o homem que amava. A irmã também não consegue compreender a delicada situação de Arima. O drama moral ocorre porque a família não consegue ser a rede de amparo/afeto que caracterizou boa parte da filmografia de Ozu. Ao mesmo tempo, o pai parece ser o que menos se importa com a situação. O final me parece muito sintomático, quando o pai (agora sozinho) sai para trabalhar, da mesma forma como antes. O marido de Hara mal vai à casa do sogro para procurá-la mas parece mais preocupado com seu trabalho. Ozu permanece percebendo que as mulheres permanecem sendo o elo mais frágil, as mais diretamente afetadas pelas contradições de seu tempo.

É curioso ver esse filme como um corpo estranho dentro da filmografia de Ozu. Mas parece claro que Ozu, com seu longo parceiro de roteiro Kogo Nada, quis promover uma certa guinada nos rumos de sua filmografia, por meio de um olhar mais duro sobre a desintegração de uma família. Ao mesmo tempo, sua mise en scène permanece solidamente aderente ao “estilo Ozu”. Talvez a maior diferença seja a fotografia, um pouco mais escura, dura, recortada e “expressionista” que seus típicos filmes dos anos 1950 (deve-se lembrar que este foi o último filme P&B de Ozu-Atsuta). Assim, seu filme perde um pouco o encanto, pois as soluções de mise en scène são muito aderentes ao funcionalismo da narrativa, que evidencia o tom moral da trama. Ou seja, falta aquela leveza do típico estilo do Ozu: os pillow shots, as elipses, as sequências de conversas em bares ou em casa em torno de momentos corriqueiros na verdade abriam um espaço dentro da narrativa para esse gosto prosaico da vida em torno da dramaturgia do comum. Agora, o drama moral torna as relações entre os planos/personagens a partir de uma função narrativa mais explícita, tornando menos fluida, menos sutil ou até mesmo meio forçadas as soluções formais do filme. Um exemplo é quando, durante o jogo de mahjong, o cliente conta aos outros a história de Arima. A dificuldade de dar fluidez a uma história cujos elos precisam ser enunciados de forma clara para o espectador está na duração de 140min – algo raro para o cinema de Ozu. Me pareceu que talvez o rigor formal típico de Ozu seja excessivo ou não tão apropriado no caso desse filme: alguns planos e soluções chegaram a me incomodar – algo quase impensável em se tratando de um filme do Ozu.

Os momentos que para mim mais permanecem desse filme são justamente aqueles em que as pausas ou as margens reaparecem de forma sutil: um chapéu esquecido por um cliente em um bar, os dois planos do movimento do pêndulo do relógio enquanto a funcionária do hospital boceja e tenta aquecer a água para se proteger do frio, etc.

 

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