A SÉTIMA VÍTIMA

 

A SÉTIMA VÍTIMA

The seventh victim

Mark Robson

1957

 


Poderia ser um filme de Jacques Tourneur mas é o primeiro filme de Mark Robson, nada menos que o editor de Soberba, de Welles. Robson também montou os dois filmes de Tourneur produzidos por Lewton. Poderia ter sido até mesmo um filme de Bresson. Mas é uma produção de Lewton, um filme B da RKO.

A trama meio rocambolesca importa pouco. Uma mulher viaja para Nova Iorque para buscar o paradeiro de sua irmã desaparecida, e acaba entrando em uma trama de mistério, em que ela se apaixona por um advogado que descobre ser o marido de sua irmã, recebe a ajuda de um detetive que acaba morto, se envolve com um poeta fracassado que encontra num restaurante italiano que também serve de pensão para sua irmã, e acaba se envolvendo com uma seita satânica que sua irmã integbrou por ter sido convidada por sua ex-sócia na empresa. Ou seja, tudo muito confuso e inverossímil, como um típico filme detetivesco B das maravilhosamente baratas franquias folhetinescas dos terrores fulerage nível B de Val Lewton.

O que surpreende, no entanto, é o tratamento cinematográfico desse material nada nobre, conferido pela maravilhosa direção de Robson, mesmo este sendo seu primeiro filme. Este é tipicamente um filme do cinema clássico, pela precisão, economia e clareza da mise en scène. A elegância de Robson é nunca apontar desnecessariamente para si, mas seu estilo cristalino busca sempre a precisão do plano: nunca o efeito pelo efeito mas uma certa pureza nessa artesania cristalina.

Assim como sua protagonista, o filme não tem tempo a perder, mas deve-se empenhar no essencial: a busca por essa irmã. Em meio a todas as armadilhas folhetinescas do material, o filme se empenha nessa jornada, em que a protagonista recebe a ajuda dos tipos mais desparatados e absurdos possíveis, e mesmo assim, em nenhum momento desiste ou põe em dúvida sua empreitada. Ainda que seja um filme da primeira metade dos anos 1940, vemos alguns elementos que o aproximam de um noir: o mergulho em um submundo, o destino fatalista, os becos sombrios que levam os personagens à morte, a iluminação expressionista, etc.

Num dado momento, vemos finalmente a irmã desaparecida. Os closes que Robson escolhe para mostrar sua misteriosa Jacqueline nos lembram da ideia de fotogenia desenvolvida por Epstein. Numa sequência logo a seguir, Jacqueline percorre os sombrios becos da rua para tentar voltar para casa: tenta se desvencilhar de um assediador e acaba salva por uma trupe de teatro. É um momento cinematográfico potente. Aos poucos, de forma inesperada, vamos sendo envolvidos (enfeitiçados, inebriados) pela alucinante trama, e percebemos seu significado filosófico: o que são o bem e o mal, o que são a morte e a vida? Psicanálise, hipnose, símbolos satânicos, seitas misteriosas e até mesmo uma trama lésbica se insinuam no filme. Mas, no fundo, tudo é uma questão de fé – é quando A sétima vítima vira quase um filme de Bresson, em que sua aposta pelo classicismo materialista se revela um camingo de ascese para um momento de sublime, que ocorre apenas pela morte. Enquanto uma mulher decide sair do quatro trancafiado e entregar-se ao mundo, arriscando-se a viver com todos os seus pesares, a outra descobre que a plena felicidade está no encontro com a morte. O caminho de fé da ingênua irmã em procurar Jacqueline se concretiza quando afinal ela pode amar, quase como se livrasse a irmã em sua deriva de desespero. Lembramos então do aviso da amiga logo no começo do filme: vá e não volte, jogue-se ao mundo, com todas as suas impurezas e com toda a dificuldade de seu entorno.

A radicalidade de como Robson se entrega ao tortuoso caminho de sua protagonista é extremamente inspirador, pois transforma uma película barata (como os melhores filmes de Tourneur) num colossal ato de fé – e essa radical entrega às impurezas do mundo só acontece porque o autor conseguiu compreender muito bem todas as potências do cinema B, agarrando-se a todas as suas fragilidades. Essa é a maior beleza desse filme, e o que faz esse filme clássico ser absolutamente moderno: essa fé na potência do cinema a partir de sua irremediável impureza. O percurso do filme é o mesmo de sua protagonista: só se pode chegar ao amor ou ao sublime a partir de um longo abraço, de um profundo mergulho, em todas as impurezas desse enorme abismo ambíguo entre o bem e o mal, entre o belo e o feio, que é a tessitura imanente dessa moeda de duas faces – o mundo-cinema.

 


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