Revendo os monstros fiquei repensando o valor dado pelo filme à amizade, tema central quando se fala de uma certa produção contemporânea, em especial em Fortaleza. O tema-base de Os Monstros é muito comovente: mesmo que as pessoas não entendam/gostem da sua arte, é preciso perseverar, e juntos, somos fortes, acreditando no que criamos, e criando! Simplesmente criando, sem se importar (muito) com o mundo. Numa das cenas-síntese do filme, Luiz Pretti toca num bar e, à medida em que toca, as pessoas vão saindo, e no final, o bar fica vazio. É como se o filme dissesse “mesmo vazio, é preciso continuar tocando!”. Na verdade, ele não fica totalmente vazio: seus dois amigos permanecem lá, ouvindo, são fiéis a ele, especialmente na dificuldade, recebendo-o em sua casa e tomando conta dele (ouvindo-o, puxando-o para dentro, dando-lhe um banho). Esses dois amigos o ajudam quando ele mais precisa, e juntos, eles conseguem ser fortes, porque o são juntos.

Esse libelo de esperança em favor da amizade e da criação desinteresseira é atual e bonito, mas fico pensando uma questão moral que poderia dar um passo a mais nessas questões colocadas pelos monstros. A questão é: “e se seus amigos fechassem suas portas para ele, ele deveria ainda assim permanecer tocando?”. Por exemplo, e se ele descobrisse que está sendo traído por um de seus amigos, o que fazer? Ou ainda, é possível prosseguir sozinho?

Em Os Monstros, a amizade surge sem conflitos, como um bloco homogêneo que serve como um anteparo ante a brutalidade do mundo. E quando os amigos nos traem, o que fazer? É possível seguir sozinho, permanecer criando sozinho? Mesmo sem contar com o apoio das pessoas, se for preciso prosseguir sozinho para não ceder, deve-se seguir sozinho ou deve-se retroceder, pois sozinho não se chega a lugar algum?

Às vezes fico pensando que esses dois amigos só o receberam porque também estavam em crise (não gostavam do emprego como técnicos de som numa produção barata). Se estivessem realmente bem, fazendo uma coisa de que gostassem, talvez eles simplesmente chutassem a bunda desse “amigo” e o deixassem abandonado, pois não é problema deles! Em crise, me parece claro que a saída é a união. Mas me parece interessante pensar uma situação em que uma questão moral coloca uma pessoa diante de seus amigos: ele deve permanecer sozinho para defender essa questão moral. Nesse caso, o que fazer? Seguir sozinho? Isso é possível?

Gostaria de fazer um filme sobre isso, isso se os meus filmes já não são sobre isso...

Comentários

Anônimo disse…
O filme bate na mesma tecla do Estrada, se adotarmos uma perspectiva pouco abrangente como a de uma "tecla": é possível Fazer por fora daquele ambiente de puro entrosamento?

Apesar de gostar do Monstros, eu esperava uma superação dessa questão (dessa tecla, que, reforço, não é pra mim o que avalia melhor o filme).

Concordo com seu texto no sentido de que pode fazer bem pensar um próximo passo. Um passo pra fora desse círculo. E se um amigo vacilar? é uma possibilidade...

Como diz um amigo meu, muito vagamente: é preciso colocar mais gente em quadro. No sentido de mais diferenças, concordo. Mas é menos por uma questão moral do que por tender a ficar mais bonito mesmo: dinâmico, contrastado.

Mario C
luiz pretti disse…
fala ikeda,
o filme não quer dar conta de todas as facetas da amizade, mas apenas dessa amizade específica. o filme não é a vida, mas uma construção de um universo particular com regras prórpias.
essa pergunta que você se faz tem menos a ver com os monstros que com o que você projeta no filme (sei que isso é a base da sua crítica como um todo).
acho que seria legal mesmo você tentar responder a sua pergunta fazendo um filme (um que lide diretamente com essa questão). isso se esse tema realmente te interessar. e no final será apenas o seu ponto de vista sobre o assunto. mais um.
de qualquer maneira, acho importante tentar lidar com as nossas crises, dúvidas e questões no mundo real, olhando para nós mesmos (pois senão pode virar neurose). no mundo real se faz filmes (e muitas outras coisas rsrs)

quanto ao que o mario colocou sobre as diferenças, eu sempre fico com medo disso virar propaganda da bennetton. um tipo de politicamente correto que abraça e aceita tudo e todos sob um mesmo braço maternal.

abs.
Cinecasulófilo disse…
é isso luiz. simplesmente estou tentando pensar um pouco que tipo de amizade posso ver no filme, atraves das opçoes de mise en scene, roteiro e personagens. a amizade surge sem conflitos, e sei que no filme seguinte de vocês, essa amizade vai surgir com conflitos!!! quanto à questão a mais que coloco, é evidentemente para mim mesmo, não posso exigi-la do filme, isso é apenas uma reflexão pessoal que surgiu para mim através do filme. mas através dessa extrapolação é possível pensar algo sobre essas opções, sobre como a amizade está retratada no filme. a vida real, claro, é outra coisa, apesar de saber que no caso do cinema que vcs estão construindo, há uma relação muito íntima entre criação e vida. o filme nitidamente quer tocar um contexto maior que o da mera ficção, apesar de, claro, ser sempre uma representação desse mundo, e se tratar de personagens. sobre o resto nao entendi. abs ik.

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