Medos Privados em Lugares Públicos

Medos Privados em Lugares Públicos

De Alain Resnais

Espaço Unibanco 2

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Falar desse filme do Resnais não é tarefas das mais fáceis, pois o filme é um enigma, em diversos aspectos, ainda mais porque o faço um bom tempo após tê-lo visto, coisa que detesto fazer. Então aqui vai um esboço de tudo: é um filme em primeiro lugar extremamente traiçoeiro, porque a essância do filme é extamente essa: como as superfícies das coisas nos trazem idéias ilusórias, e como a representação faz parte nisso.

 

Aqui, com seus 84 anos, Resnais faz um filme aparentemente mais convencional, menos de invenção, e mais próximo das comédias francesas menos sofisticadas e mais simples. Lembramos do Resnais de Hiroshima, de Marienbad, e de tantos outros, da importância da voz off, da memória e do contexto político. Mas isso tudo não deixa de ser bobagem: não se deve fazer do artista um prisioneiro da sua própria criação.

 

Coeurs (título singelo escolhido por Resnais que já contrasta com o título do romance, que a trdução brasileira preferiu) já mostra a opção pela contenção: esses personagens tem mais a esconder do que revelar. Vivem num castelo de cartas pela forma como se relacionam uns com os outros e especialmente consigo mesmos. Todo o filme se passa em ambientes fechados mas cujo entorno nos fala tanto desses personagens (não é a toa que o filme foi feito em scope). Na superfície são pessoas comuns, sem grandes sonhos ou fantasias. Por dentro, guardam um desejo oculto. É como um reflexo da própria estética de Resnais.

 

A elegância e o rigor da mise-en-scene nos fazem parecer num tempo e num espaço em suspenso (a neve nos remete ainda mais a isso), e que contribui para essa natureza enigmática do filme. Um profundo senso de solidão atravessa esses corpos e esses espaços vazios entre esses corpos. As narrativas paralelas que se cruzam com organicidade e com elegância, sem os esquemas forçados à la Inarritu. Um olhar sobre o mundo contemporâneo, sobre a vida das pessoas hoje. Um olhar sobre o cinema de hoje, envolto na necessidade do mercado, no esgotamento de um certo “cinema autoral” e da necessidade dele.

 

Por trás do clima de comédia, Resnais é duro com a gente, sempre fica uma sensação de “tarde demais”. Esses cenários lúgubres, em que os personagens se aprisionam (afinal, neva lá fora, sempre está muito frio), parecem como num filme de Kaurismaki. Os personagens se encontram, se esbarram, mas permanecem indecifráveis.

 

No final, um grande sentimento de solidão: é como se nossas máscaras nos tornassem cada vez mais distantes de nós mesmos e dos outros. E Resnais faz isso através de um cinema que usa as armadilhas da representação para nos dizer mais sobre isso. Mas esse é o paradoxo: se por um lado faz a crítica da solidão, por outro, utiliza-se das próprias máscaras que critica. Não chega a ser cínico, mas de uma certa forma o tom de Resnais não deixou de me incomodar. É isso.

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