entrevista com Dellani Lima em 2004

Uma coisa que há muito tempo eu queria postar nesse blog é uma entrevista feita comigo pelo Dellani Lima, quando, na época, eu não o conhecia. Hoje o conheço um pouco mais, pelos seus trabalhos e em encontros esporádicos. A entrevista foi feita em 2004, e por isso ao mesmo tempo em que está desatualizada, permanece muito atual para mim. Ela não foi publicada, e ainda tive um pequeno desentendimento com outra pessoa por causa dela. Bom, queria postar aqui não para “massagear meu ego” mas principalmente porque as respostas me satisfizeram em muito, e mostram com muita precisão o que penso sobre o audiovisual.

 

 

2.  COMO INICIOU SEU CONTATO COM O AUDIOVISUAL;

Comecei inicialmente vendo filmes, acima de tudo sou um grande cinéfilo. O contato propriamente dito com o meio cinematográfico se deu com minha entrada no curso de cinema da UFF.

 

3.  QUE TIPO DE PROJETO AUDIOVISUAL ANSEIA;

É muito difícil dizer qual é o tipo de projeto que se busca: a princípio estou aberto ao maior escopo possível de experiências. Hoje, poderia dizer, se isso for possível, que busco um cinema da ética, que trabalhe a linguagem mas não esqueça o Homem, sua solidão e seu espaço no mundo em que vive.

 

4.  SUAS REFERÊNCIAS ESTÉTICAS;

Minhas referências estéticas são os filmes e os cineastas de que gosto. Para sempre, Kieslowski, a quem devo meu desejo de fazer cinema. Atualmente, os primeiros curtas de Wim Wenders, e os filmes de Manoel de Oliveira, Jonas Mekas, Yasujiro Ozu, Andrei Tarkovsky. Hoje, dois filmes não me saem da cabeça: Le Trou e O Sol do Marmeleiro.

 

5.  SOBRE BITOLAS OU SOBRE O HÍBRIDO DA VELHAS E NOVAS TECNOLOGIAS: PRODUÇÃO X DISTRIBUIÇÃO X EXIBIÇÃO;

As novas tecnologias sempre oferecem uma nova oportunidade ao realizador: é preciso, no entanto, que ele saiba distinguir os modismos, que ele aproveite o que há de melhor e que assuma seus pontos desfavoráveis.

 

6.  QUAIS AS MAIORES DIFICULDADES ENFRENTADAS PARA A REALIZAÇÃO DE SEUS PROJETOS;

Sem dúvida, recursos, sempre são o principal fator. Mas há que se pensar os canais de exibição do cinema alternativo: meus pequenos vídeos ainda foram muito, muito pouco exibidos.

 

7.  COMO VÊ O ATUAL PANORAMA DO CINEMA NO BRASIL E NO MUNDO;

O cinema brasileiro passa por grandes mudanças, mas ainda se depara ante a questão de sempre: entre o artesanal e o industrial, pendendo ora para um lado ora para outro da balança. Talvez nesse momento o pêndulo tenda para o industrial, mas é justamente nesta hora que o cinema artesanal deve marcar sua presença e sua relevância.

 

8.  INFLUÊNCIAS DE OUTRAS ARTES OU MANIFESTAÇÕES CULTURAIS EM SEUS PROJETOS

(ver 14)

 

9.  O QUE ACHA DO CIRCUITO DE FESTIVAIS BRASILEIROS

Os festivais de cinema brasileiro em geral ainda continuam muito restritos para obras que realmente busquem um trabalho inovador e mais ousado em termos de linguagem. São poucos os festivais e mostras brasileiros que realmente buscam um olhar renovado. Isso não se verifica apenas no Brasil, mas em festivais de todo o mundo, inclusive os de grande porte.

 

10.  EXISTE CINEMA INDEPENDENTE NO BRASIL?;

Cheguei a escrever um texto sobre o tema, disponível no site CurtaoCurta. Acho que nenhum cinema ou arte no mundo é absolutamente independente. No que se refere ao Brasil, é ainda mais grave, fora a cinematografia norte-americana e indiana, como se pode falar de um cinema independente? Creio que em última instância tudo dependa de como se define a “independência” no cinema. O “cinema independente” não deixa de ser uma utopia.

 

11.  COMO SÃO REALIZADOS SEUS PROJETOS;

Atualmente, meus projetos são feitos de forma bastante particular. Em alguns deles (Casulo, Alvorecer, Entremeio), cheguei a trabalhar absolutamente sozinho, da pré-produção, filmagens e finalização.

 

12.  SOBRE A INTERNET [REDE X DISTRIBUIÇÃO X INFORMAÇÕES X UPGRADE];

A internet permitiu uma pequena revolução em relação à circulação de informações. É impressionante a oportunidade para se conhecer pessoas, reforçar contatos em comum e disseminar informações. Como crítico de cinema, é impressionante a liberdade de expressão e as redes que se formam com a chance de ter um texto publicado na internet, quando, antes de sua criação, seria muito mais improvável.

 

13.  SOBRE CRIAR COLETIVAMENTE;

Não acredito que a criação seja coletiva. A criação é individual: parte do indivíduo. Numa equipe numerosa, o diretor tem exatamente a função de harmonizar as diferentes criações em torno de um objeto comum, de um projeto comum. Mas acho que isso não implica que a criação seja coletiva.

 

14.  OUTRAS MANIFESTAÇÕES E SUAS INTERAÇÕES COM O AUDIOVISUAL;

A partir do momento em que se vive o cinema, tudo acaba se tornando audiovisual. Aprendemos com os mestres que cinema é literatura (Manoel de Oliveira, Rohmer), é arquitetura (Straub, Lang), é pictórico (Tarkovsky, Murnau, Mizoguchi), é espírito (Bresson, Dreyer), é ressureição (Dovzhenko, Rossellini), é vida (Mekas, Ozu, Kieslowski).

 

15.   SOBRE TENDÊNCIAS POLÍTICAS QUE PERMEIAM SUA PRODUÇÃO OU ESTÉTICA: MOVIMENTOS SUBVERSIVOS X CONTRA-CULTURA X PÓS-PUNK X SOCIABILIDADE ELETRÔNICA;

Meu cinema não é exatamente político no sentido estrito da palavra. Acredito que a política que permeia meus projetos fílmicos é a política da imagem, a política da linguagem. Acho dois filmes tão distantes quanto Prenda-me se for capaz ou O Pântano muito mais políticos que os últimos filmes de Ken Loach, por exemplo.

 

16.  A RESPEITO DE FORMAÇÃO ACADÊMICA;

A formação acadêmica no caso do cineasta pode ser importante, mas não é o único meio de que se dispõe. O cineasta deve ter o conhecimento e a disciplina, que as escolas de cinema podem lhe oferecer. Mas sua “formação” passa muito além de uma formação meramente acadêmica: a formação para o verdadeiro cineasta é acima de tudo uma formação do espírito ou do olhar.

 

17.  EXISTE OU PROCURA-SE UMA INDÚSTRIA AUDIOVISUAL NO BRASIL?;

É uma pergunta difícil que não tem resposta. Eu diria que durante toda a história do cinema brasileiro tentamos em vão responder esta pergunta. Falando no audiovisual como um todo, é claro que existe um “mercado” (termo talvez melhor que uma “indústria”) mas ainda incipiente: ele pode se desenvolver muito mais, tanto em termos de volume quanto em termos criativos.

 

18.  SOBRE INCENTIVOS CULTURAIS PÚBLICOS E PRIVADOS X OUTRAS ALTERNATIVAS;

Não se faz cinema em nenhum lugar do mundo sem um anteparo do Estado, e isso é um processo político, ideológico e histórico. Por outro lado, também não se faz cinema sem mercado, principalmente num país das dimensões territoriais e econômicas do Brasil. Negligenciar um ou outro lado é tolice: o ideal é buscar um equilíbrio. O incentivo público é necessário, o que não pode é que tanto Xuxa Abracadabra quanto Filme de Amor busquem seus recursos no mesmo guichê.

 

19.  E O QUADRO SÓCIO-ECONÔMICO DO PAÍS E SUAS REAÇÕES?;

 

 

20.  COMO IMAGINA O CINEMA OU O AUDIOVISUAL DOS PRÓXIMOS ANOS?;

Creio que o cinema atualmente passa por uma entressafra, por uma espécie de crise. Os grandes realizadores da atualidade (Tsai, Oliveira) são os que vêem a crise como sinal de oportunidade.

 

21.  SOBRE O ELENCO E O TRABALHO COM OS ATORES

Atualmente venho me debruçando cada vez mais sobre o trabalho do ator, apesar de ter muito pouca experiência ou intimidade com o assunto. Isso porque para mim cada vez mais o cinema é dramaturgia, e não há dramaturgia sem um elemento humano em cena. As possibilidades do ator em cena são infinitas, as programadas e as não-programadas. Saber lidar com o ator é como cultivar uma pequena planta, é como criar um filho, cuja repercussão última acaba sendo absolutamente incontrolável. Creio que o diretor deve ser uma espécie de mestre para o ator, orientando-o para que este busque as respostas e a melhor expressão do personagem, para que satisfaça o ator, e não o diretor. Se o ator estiver no espírito do filme, absorver as orientações do mestre e trabalhar com afinco na busca da verdade do personagem, ele terá maiores probabilidades de incorporá-lo da forma mais adequada. O diretor deve orientar, mas a resposta deve partir do próprio ator. Por outro lado, o diretor deve inspirar o respeito e a confiança do ator. É pelo menos como procuro seguir.

 

22.  COMO CONSIDERA A ÚLTIMA SAFRA DE REALIZAÇÕES AUDIOVISUAIS NO BRASIL;

Não tenho visto muitos filmes brasileiros que tenham me marcado, que tenham me emocionado, e tenho visto praticamente todos os filmes brasileiros lançados comercialmente. Lembro-me agora apenas de dois casos: Filme de Amor e Edifício Master.

 

23.  SOBRE A DRAMATURGIA DE SEUS PROJETOS [COMO SÃO REALIZADOS OS ROTEIROS]

Atualmente meus projetos passam por uma crise de expressão, pelas impossibilidades da linguagem. Tento trabalhar meus pequenos vídeos em cima de variações de recursos expressivos que me interessam: de um lado, o plano fixo, as naturezas mortas, os tempos de espera, os silêncios; de outro, a dificuldade de expressar os sentimentos, a circularidade da rotina, a miserabilidade da condição humana. Creio que esses pequenos exercícios poderão me auxiliar em projetos mais ambiciosos, quando for chegada a hora.

 

24.  QUEM SÃO OS OUTROS NOVOS REALIZADORES OU COLETIVOS DE SEU INTERESSE E QUE PRODUZEM OBRAS DE RELEVÂNCIA PARA O DESENVOLVIMENTO DO AUDIOVISUAL NO PAÍS?

É difícil falar de obras de relevância, o conceito de “relevância” para mim é muito esguio, muito falacioso... Como disse antes, os dois filmes nacionais recentemente que me marcaram foram Filme de Amor e Edifício Master. Entre os estrangeiros, este ano pude ver filmes que ficarão comigo como Encontros e Desencontros, Intervenção Divina e A Vila.

 

25.  A RELAÇÃO DE TODAS AS SUAS OBRAS OU AS PRICIPAIS QUE DESEJAR

Depois da Noite (1999, 14´)

Casulo (2000, 8´)

Alvorecer (2001, 8´)

Entremeio (2001, 10´)

Spencer, ontem, hoje e sempre (2002, 10´)

Tesouro do Samba (2003, 10´)

Canção de Amor (2004, 10´)

Cinediário (2004, 22´)

 

26.  CASO QUEIRA MANIFESTAR OUTRAS QUESTÕES SOBRE O AUDIOVISUAL OU OUTRO ASSUNTO O ESPAÇO É ABERTO

 

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