O Filme de Nick

de Wim Wenders

DVD sex 25 8hs

***

 

Finalizado em 1980, visto de hoje, O Filme de Nick parece ser o primeiro filme do cinema contemporâneo: é quando a combinação de elementos entre ficção e documentário acaba tomando uma forma tão imbricada, indissociável, que parece dar origem a um terceiro gênero. Se Godard disse que A Chinesa era "um filme em processo de ser feito", o que dizer de O Filme de Nick, já começando pelo título? Em primeiro lugar, que, além disso, trata-se de "uma vida em processo de ser feita, e enquanto o filme é feito essa vida acaba se tornando o filme e esse filme acaba se tornando parte dessa vida". É meio por aí. Mas é um pouco mais complicado, porque aqui trata-se da vida de um cineasta, e ainda trata-se da morte de um cineasta. Então que além de todos os dilemas éticos do documentarista entre "encenar-representar" ou "meramente registrar", aqui entra o próprio papel do cineasta em registrar uma morte, um processo de aniquilamento. Mas é mais complicado. Na verdade, o filme estaria matando Nick, ou o estaria salvando? Parece uma reflexão sobre a própria natureza do cinema, ou dessa luta ingênua-romântica-infantil de que o cinema pode ser tão importante quanto a vida, ou ainda, qual passa a ser o papel do cinema quando o cinema é a própria vida. E mais do que tudo isso, O Filme de Nick é um filme sobre a amizade.

Certamente não consegui ser claro em como o filme combina todos os elementos, mas aqui só quero apontar para o fato de que Wenders mais do que nunca expôs nas entrelinhas o seu próprio processo de criação e a sua própria participação nisso tudo. Por isso, é como se fosse uma mistura entre Serras da Desordem e Santiago. De um lado, Wenders começa a encenar para depois nos mostrar que isso é pura encenação (a oscilação entre o digital e o 35mm), o que nos leva a problematizar o que de fato foi encenação e o que de fato foi "registro". De outro, Wenders faz um filme profundamente confessional sobre a sua impossibilidade de fazer esse filme, sobre seus medos como cineasta de estar p ex explorando a morte de Nick, de não conseguir dar conta de sua grandeza, de contribuir para o aniquilamento de sua saúde. É um filme sobre Nick mas é tbem um filme sobre o próprio Wenders, mas sem egotrip, é um filme sobre si mesmo pois a própria presença de Wenders ali contamina qualquer olhar neutro que se queira colocar sobre Nick, e até porque Nick não morre sozinho, é um filme sobre a amizade. E até para deixar claro para o espectador que o filme é sobre aquele olhar do Wenders que o tempo todo está lá, como a voz-off já nos coloca.

Mas acima de tudo, como bom filme de Wenders, é um filme afetuoso, sobre a importância de uma amizade, principalmente é um filme sobre o processo de criação no cinema. É muito bonita a cena em que Nick dá uma aula numa universidade e Wenders passa uma cena de um filme não tão conhecido de Nick, chamado The Lusty Men, com Robert Mitchum. O final é doloroso mas não podia ser outro. A única certeza que temos nessa vida miserável é a nossa morte.

Um filme não tão conhecido de Wenders mas que se revela mais e mais contemporâneo. Grande filme.

 

Comentários

Postagens mais visitadas