O engano

de Mário Fiorani

CCBB sab 26 19hs

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Ítalo-austríaco radicado no Brasil, Mário Fiorani é mais um entre tantos cineastas brasileiros que permanecem no obscurantismo. Já comentei anteriormente sobre o interessante A Derrota, filme ímpar, que mescla elementos do cinema novo e do cinema marginal, que foi elogiado pela crítica, especialmente por Alex Viany. Identificado com o grupo do cinema novo, Fiorani partiu para o segundo filme, O engano, em 1967, logo após a boa repercussão de A Derrota. No entanto, não é um trabalho de continuidade de Fiorani. Ou melhor, representou o seu último trabalho de cinema, e o desastre que foi seu resultado, em termos de bilheteria, crítica e repercussão, sinaliza para as várias encruzilhadas em torno das quais o filme tenta articular um discurso.

Tentamos entender O engano como um projeto mais ligeiro do diretor, buscando um cinema mais popular. Só que logo após o cerebral A Derrota e no olho do furacão (em pleno 1967), não podemos deixar de achar uma certa covardia de Fiorani, mas ele deve ter os seus motivos. O filme escapa de qualquer pretensão de avaliação política para se concentrar numa mulher enigmática que se divide entre três homens: um intelectual frustrado (Hugo Carvana), um médico (Claudio Marzo) e um negro (Zózimo Bulbul). Na verdade a misteriosa mulher usa os três homens, jogando-os uns contra os outros. Fiorani tenta compor uma atmosfera à la Walter Hugo Khouri, e tenta dar algum fôlego à narrativa organizando-a em flashbacks que não raras vezes desorientam o espectador (flashbacks dentro de flashbacks, etc.), o que dá ao filme um certo olhar mais autoral e menos clássico. Ainda, a opção de Fiorani, ainda mais quando boa parte do filme se passa em apartamentos, é valorizar os tempos mortos, as reflexões e os deslocamentos. Mas não consegue. Primeiro, por uma decupagem muito frouxa, que coloca toda uma dificuldade de dar algum ritmo ao filme. Segundo, pela terrível atuação da protagonista, Marisa Urban. O filme perde muito porque ela não tem nenhuma sensualidade, então fica um tanto inverossímil acreditar como os três homens ficam de quatro por ela. Com os flashbacks, Fiorani acaba transformando o filme em jogos narrativos ambíguos, que podem ter um certo charme dado o cinema brasileiro da época, mas hoje parecem datados, e em termos de dramaturgia faz o filme perder muito, porque são confusos. Acaba sendo curiosa a questão racial, com cenas interessantes entre Zózimo e Urban na cama, mas não acaba sendo articulado no filme. Aliás, o personagem de Zózimo acaba sem desenvolvimento. O filme tenta fazer um retrato da protagonista um tanto misterioso, fugindo da psicologia e muitas vezes buscando uma sensação, mas fracassa, porque mergulha nos jogos narrativos e no uso da música, repetitiva e tediosa. A exibição dessa rara cópia no CCBB teve 20 minutos a menos, o que acabou comprometendo qualquer avaliação, mas parece, pelo que foi mostrado, que Fiorani quis ter um final aberto mas que demonstra sua desarticulação narrativa, o que já era evidente no A Derrota, mas como o filme tem um tom menos narrativo, lá funcionava bem mais. O último plano mostra uma estranha metalinguagem, que tbem já estava em A Derrota. Vemos a equipe, o próprio Fiorani, Mario Carneiro, até acabar em um close em Urban. Poderia ser interessante, mas acaba ficando parecendo aqueles filmes universitários que no final mostra todo mundo da equipe. Infelizmente o "thriller amoroso" de Fiorani não escapa do desastre, o que acabou representando o fim da carreira do diretor, mas para mim foi uma grande expectativa poder conferir os trabalhos desse esquecido diretor, que depois de uns anos após o filme, foi para o Chile, depois para a Europa, e morreu por lá.

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