(ECRÃ) DE BAKERSFIELD PARA MOJAVE (I)

FESTIVAL ECRÃ

 

DE BAKERSFIELD PARA MOJAVE (From Bakersfield to Mojave) | James Benning | Estados Unidos, 2020 | 109 min.

O SONHO DE BENNING (Benning’s Dream) | Leonardo Pirondi | Estados Unidos, Brasil, 2021 | 2 min.




             À medida em que comecei a ver De Bakersfield para Mojave, novo filme de James Benning em cartaz no Festival Ecrã, comecei a ficar tão emocionado que acabei por chorar. Muitos diriam que essa não é a forma adequada de começar uma crítica de cinema – um crítico não deve chorar, quanto mais confessá-lo em público. E muitos diriam que esse é o avesso da experiência que alguém poderia ter com uma obra de James Benning – um cineasta de origem estruturalista, que realizou um filme sobre trens que percorrem uma geografia física.

Mas por que fiquei tão tocado com esse filme aparentemente materialista de Benning? Ora, porque é um documentário sobre minha vida. Em outro filme presente no Ecrã, o curta O sonho de Benning, Leonardo Pirondi entrevista Benning, que o relata um sonho (sim, Benning também sonha): era um sonho abstrato de uma bola que percorre uma linha reta, e que ele percebia que aquele sonho aparentemente abstrato poderia ser a história de uma vida.

Nos últimos tempos, temos visto muitos filmes com propostas políticas, em torno de temas identitários. Uma luta muito importante, visto que o conservadorismo avança no País e no mundo. Mas as lutas do cinema de hoje não se resumem a essas pautas. Continuo achando que a verdadeira política do cinema e da arte é a busca pelo amor e pela liberdade. O amor e a liberdade. Sendo assim, De Bakersfield para Mojave é o mais político dos filmes que vi neste ano de 2021, porque é o mais apaixonado e o mais livre!

Em 2021, completam-se 50 anos da filmografia de Benning. Quando esperamos pela listagem da equipe nos créditos finais, surge apenas uma cartela com letras brancas e fundo negro intitulada “James Benning 2020”. Fico então imaginando esse senhor de quase 80 anos, de forma solitária, posicionando sua câmera e seu microfone nas estradas poeirentas e quentes do interior norte-americano, esperando, talvez por horas, o momento preciso da chegada desse trem. E fazendo isso durante 50 anos! Daí me lembro de uma famosa frase atribuída a Straub: “para filmar a revolução, é preciso saber filmar o som do vento que balança a copa das árvores”. Insistir, persistir é também resistir.

Para quem imagina como é o processo de pós-produção de Benning, há um momento em On Paradise Road (filme anterior de Benning, exibido aqui no Brasil no Festival Indie) em que De Bakersfield para Mojave está sendo montado em sua ilha de edição, em sua própria casa. Nos intervalos, Benning faz café, ouve música e até vê um filme na televisão.

Escrevo sobre cinema há apenas vinte anos, mas não raras vezes me sinto cansado, com vontade de desistir de tudo. Ao acompanhar a trajetória de 50 anos de Benning, penso: como estarei daqui a trinta anos? Conseguirei manter a mesma paixão e energia de quando comecei? Não estou me comparando com Benning, mas apenas tentando mostrar a dimensão de sua persistência. Enquanto busco as palavras mais adequadas para escrever esse texto, enfrento a resistência de uma motosserra, numa obra no prédio em frente à minha casa, mas escolho em continuar, mesmo assim. Obrigado James Benning por me fazer continuar acreditando que é possível prosseguir. Obrigado por me fazer perceber que ainda é possível observar o movimento do mundo, mesmo daqui do Brasil, diante de um país em ruínas.

Para além da emoção que é perceber a possibilidade de esse filme ter sido feito, e em como ele é um percurso de continuidade de uma vivência/pesquisa que dura cinquenta anos, completamente à margem de qualquer modismo ou de qualquer recurso que visa ao reconhecimento fácil, é preciso ir ao filme em si – o que farei num outro texto, para não alongar em demasia este primeiro, e também para sedimentar as paixões.

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