THE MAN IN THE MOON


NO MUNDO DA LUA
de Robert Mulligan







(o cinema como busca pelo sublime)

Quase aos oitenta anos, o velho Robert Mulligan dirige seu último filme, o formidável THE MAN IN THE MOON que, em muitas medidas, é uma espécie de síntese de seu discurso cinematográfico e uma espécie de "canto do cisne" das possibilidades de um certo cinema clássico norte-americano. O veterano Mulligan dirigiu filmes de todos os tipos, oscarizáveis como O SOL É PARA TODOS, mas se consolidou como um porta-voz de um certo retrato romântico da descoberta da adolescência, como no sintomático HOUVE UMA VEZ UM VERÃO. Em 1971, num momento de transformações no cinema americano com a escalada da "nova Hollywood", o romantismo nostálgico de SUMMER OF ´42 apontava para um cinema que parecia conservador ou escapista, mas que era simplesmente fiel ao ideário de um realizador que buscava na tradição do cinema clássico um princípio ético de como as famílias americanas poderiam lidar com as dores das transformações e da juventude. A juventude: essa fase de descoberta entre a fuga do universo repressor da autoridade dos pais e as incertezas do ingresso em um caminho próprio. Esse presente sombrio entre um passado em ruínas e o futuro incerto. Ao mesmo tempo, Mulligan não quer fazer o seu AMERICAN GRAFFITI, não pretende propriamente fazer uma crítica da sociedade de sua época, mas me parece uma espécie de artesão solitário que busca refletir esse pequeno abismo que faz com que o nosso mundo seja uma espécie de paraíso perdido.

Quarenta anos depois (1991), os outsiders da nova Hollywood viraram os novos moguls, o cinema americano caminha para uma tendência de extrapolação dos grandes blockbusters, das aventuras em série escapistas. Assim, THE MAN IN THE MOON soou ainda mais incompreendido, envolvido em sua enorme nostalgia, como se fosse um filme dos anos sessenta. A aposta consciente nesse anacronismo marca a opção ética de Mulligan por um cinema humanista, cuja contribuição artística acontece por essa aposta desesperada e radical num projeto de ingenuidade, e na extrema pureza com que reveste toda a mise en scene do filme em torno de um projeto impossível: Hollywood é o próprio paraíso perdido. Aquele mundo não pode mais se sustentar.

Se for possível aproximar o último filme do velho Mulligan de algo mais próximo do cinema moderno, THE MAN IN THE MOON poderia ser um filme de Mallick, mas, de uma outra geração, Mulligan não se preocupa com os efeitos sensoriais, com as steadicams flutuantes, mas com um sentido de economia e precisão que preenchem toda a sua narrativa. Ou ainda, do cinema de Ozu, no papel da família, dos tempos, da tradição e da rotina. Mas se o cinema de Ozu está repleto da cultura oriental, em Mulligan há a quintessência de uma longa tradição da cultura norte-americana, inclusive no cinema, mas não só nele, como podemos pensar na literatura de Ralph Emerson ou mesmo de Walt Whitman e de (por que não? Emily Dickinson, na combinação do prosaico com o trágico), ou ainda na pintura paisagística romântica da Escola de Hudson, com artistas como John Constable, Thomas Cole ou Frederic Erwin Church. Mulligan dialoga com uma sociedade rural, com uma integração à natureza como reflexo de uma busca pelo sublime. O sublime, sua dimensão trágica, a paisagem e o Homem.

Duas meninas que começam a aprender o que é viver, a amar e sofrer. A vida, que é tão doce e ao mesmo tempo tão cruel. Como lidar com as perdas, como lidar com o fato de que o mundo não é tão doce quanto poderia ser? Como lidar com o fato de que não somos perfeitos, que cometemos erros e injustiças? Como perdoar e seguir em frente? Como lidar com o fim das coisas e com a presença do mal? Não é à toa que THE MAN IN THE MOON comece (como seu próprio título) nas nuvens à noite, e termine na terra de dia. Na verdade, para ser mais preciso, ele não termina no túmulo. Os créditos iniciais do filme mostram uma lua branca em fundo negro, em composição claramente artificial (um filme de Meliès?) até o primeiro plano do filme, uma enorme grua que sai da lua e das folhas de uma árvore até a casa em que as duas irmãs conversam juntas. Depois do trauma (o plano em que as duas se abraçam sobre o túmulo, repleto de terra), o último plano do filme retoma o início, quase ao reverso, formando uma circularidade. Novamente, temos as duas irmãs conversando, e a enorme grua agora vai da casa para o galho das árvores com as nuvens no céu. Aparentemente o mundo é o mesmo, mas algo mudou, e que não se pode ver totalmente, mas apenas sentir. O movimento do rumo das coisas, em que cada é o mesmo e diferente. E o último filme do velho Mulligan acaba assim, com o seguinte diálogo entre as duas irmãs:

- Irá doer assim tanto para sempre?
- A mamãe disse que não.
- Espero que tenha razão.
- Eu também.
- Sabe, às vezes acho que nada voltará a fazer sentido.
- Talvez a vida não foi feita pra ter um sentido.
- Isso não te assusta?
- Sim, assusta.
(Silêncio.)
- Queria que eu ainda pudesse falar com o homem na lua.
- Você não?
- Seria bom.
- Vamos continuar falando sempre uma com a outra?
- Sempre.

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