Shukujo Wa Nani O Wasureta Ka




O QUE A SENHORITA ESQUECEU?
(Shukujo Wa Nani O Wasureta Ka)
de Yasujiro Ozu
1937

Bem estranho ver este filme de Ozu conhecendo os rumos futuros de sua filmografia. Ainda assim, é possível reconhecer um diretor em seu caminho de amadurecimento, na busca de um estilo. É de se estranhar por algumas opções de encenação: alguns travellings (um deles numa sala de aula), o primeiro plano do filme (um PD de um para-choque do carro), planos de mudança de foco, etc. O estilo mais típico de Ozu é mais visível nos planos de diálogo em que os personagens não se movem, especialmente nas angulações dos corpos (giro de tronco ou pescoço) e nos planos gerais de câmera baixa mais frontais.

Mas para além desse alfarrábio de linguagem plano-a-plano, este filme é estranho em relação ao cinema de Ozu, pela forma cômica (uma comédia de costumes) como encena a questão de sempre do cinema de Ozu: a relação entre os membros da família e as transformações da cultura japonesa entre tradição e modernidade. Aqui percebemos claramente que Ozu está longe de ser (nunca foi) o diretor com perfil conservador que alguns ainda julgam o seu trabalho: esse filme apresenta claramente um certo inconformismo, uma crítica direta às convenções sociais da sociedade japonesa, expressa por meio da relação entre marido e esposa.

O filme fala sobre uma jovem sobrinha que chega de Tóquio e, com seus hábitos "modernos"(fuma, bebe), acaba provocando um choque em sua tia, mais velha. Há então um choque de costumes. O tio, dono da casa, é um professor. Mas ao longo do filme, no entanto, ele aprende com sua sobrinha como deve lidar com sua esposa, para que ela possa entendê-lo. Em diversos momentos do filme, vemos como as lições da escola são totalmente dissociadas do mundo prático. O tio acaba pregando uma mentira apenas para não chatear sua esposa e, ao ser descoberta, ela tem repercussões. O filme então é uma comédia de costumes, uma fábula moral sobre a inutilidade da mentira, e curiosamente sobre a importância de "mudar" (contestar as convenções e hábitos, ou ainda, a rotina) para sermos moralmente honestos. Ou seja, é preciso que a sociedade japonesa mude! E isso Ozu nos diz no período do entreguerras, em pleno 1937! Para Ozu, os novos tempos estão chegando, e isso não necessariamente é tão ruim!

A comédia de Ozu tem um certo toque de Lubitsch. Ozu faz uma crítica mas ao mesmo tempo não julga os personagens, ou eles não são joguetes ou caricaturas para a cena, como às vezes a comédia acaba tendendo a ser. Se o filme ainda parece pouco amadurecido (ou ainda um pouco confuso) em termos de mise en scene, me parece que sua contribuição para os rumos futuros da filmografia de Ozu é mais em pensar, especialmente a partir de sua metade, os desdobramentos dos personagens, sua complexidade, o olhar humano que nunca é caricato, essa busca ambígua em falar do drama das pessoas sem torná-las marionetes de classe mas ao mesmo tempo claramente abordando uma questão da sociedade japonesa que vai além dessas personagens em si.

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 (veja que estranho PD do para-choque!)

 (parte do estranhíssimo travelling sobre a turma de alunos!)

 (opção do foco em objeto no primeiro plano, com deslocamento do personagem para o fundo, ficando sem foco, sem profundidade de campo - opção também rara no cinema do Ozu. Ao final do filme, quando a sobrinha e Okuda se despedem no café da estação, também vemos um plano bem parecido com esse, quando ela se levanta da mesa e vai até a janela)

 (tem até uma cena num clube de gueixas e uma pequena cena de dança rs)

 (aqui vemos um plano mais típico do Ozu maduro, vejam a belíssima opção pela torção do corpo, como comentei antes. Este é um momento crucial da dramaturgia, em que a esposa resolve perdoar o marido. No começo, ela está de costas para ele, mas ela gira seu tronco e vemos seu rosto. O tronco, permanece, no entanto, quase estático. Esse tipo de movimento dentro de um rigor vai ser desenvolvido em filmes posteriores)

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