IT FOLLOWS





Sabemos desde os anos quarenta - ou desde as Cahiers de Cinema - que o futuro do cinema é o cinema B. O "Filme B" é aquele que subverte a sua precária inserção dentro de um modelo de estúdio e de cinema de gênero para buscar o sonho (a aventura) de se fazer cinema. O filme B é, por excelência, o subversivo ato de liberdade e de amor dentro das amarras de um modelo do cinema como um mero produto industrial. O filme B não é uma utopia - como o cinema moderno - mas a possibilidade de sobrevivência. O cinema, portanto, é o cinema B.

Sabemos também de tudo isso por meio de alguns autores dos anos oitenta que resgataram o cinema B num outro contexto. Hoje, no século XXI, com o domínio dos multiplexes, as franquias das majors extrapolaram a realização de filmes-eventos, de modo que nenhum risco pode ser mais possível.

CORRENTE DO MAL é assim incrivelmente surpreendente, porque entra no circuito esmagado entre o blockbuster de franquia pronta e o cinema de autor embalado para o mercado de arte dos festivais internacionais. O que o filme se propõe a ser, o que nele há de surpreendente? Sua adesão tão frontal, tão romântica, a um modelo do cinema B como plataforma política de liberdade.

IT FOLLOWS - título de síntese extraordinária - é nada mais que um filme de cinema. Suas questões são acima de tudo do campo cinematográfico. Todas as suas amarras e limites são subterfúgio....para se fazer cinema, e a entrega do diretor a essa possibilidade é incrivelmente encantadora. IT FOLLOWS é, acima de tudo, um filme feito de cinema. Os carrinhos, os sons de atmosfera, as cores, as steadicams, tudo serve ali para... se fazer cinema. E isso é francamente admirável. O ápice desse encantamento com as possibilidades do cinema (para além dos mirabolantes movimentos de câmera em 360º) está na cena da piscina lá no terço final do filme: o sangue rubro transborda as águas da calma piscina azul.

Para tanto, quase como num filme de Carpenter (Eles vivem), é preciso ver. Ver - essa questão cinematográfica - se molda à perfeição na proposta de IT FOLLOWS. Jay está condenada por ver demais - ela precisa viver fugindo de algo que ela não sabe bem o que é.

IT FOLLOWS poderia ser um game, mas é um filme sobre a juventude. Um filme jovem, com todas as fraquezas, os medos, as incertezas, as ingenuidades e o gosto pela vida, sua curiosidade. Esse desafio de dizer uma palavra ao outro. Esse desafio de tentar amar, de tentar sair de casa e encontrar um lugar que seja seu. O amor é uma doença sexualmente transmissível, como a vida. Ou o medo. Agora, não é mais possível viver só. É preciso fugir. É preciso também se arriscar. É preciso confiar no outro, e é preciso também sempre ver. Crescer: não é mais possível fechar os olhos para o mundo, agora estamos sempre diante da iminência da morte. Estamos condenados por ver demais, ou talvez por amar demais. Não há respostas, não há projeto de futuro. É preciso sempre fugir, fugir sempre. Repetição e variação. Temos apenas o presente, e enquanto estamos de mãos dadas, ali talvez podemos ser felizes.

IT FOLLOWS - esse filme "ingenu(in)amente" jovem - não é tanto um filme sobre a inevitabilidade da morte, mas sobre a liberdade.

E a liberdade no cinema (a liberdade vivida dentro do mundo, não fora dele, como utopia) é o filme B.

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