La fille de nulle part 

Aqueles poucos que acompanham com algum interesse os escritos deste blog devem imaginar o que representa para mim ver um filme em que um diretor se põe em cena para se filmar em casa. Eu me sinto como se fosse uma testemunha de uma cerimônia num templo budista! É um daqueles lugares em que eu entro devagar, pé por pé, e escolho um lugar estratégico para me sentar, e ali fico sem me mover! Pois bem, desta vez, penso que LA FILLE DE NULLE PART é uma espécie de resposta dura a uma posição que Brisseau foi posto num certo cinema francês. A simplicidade de sua encenação, sua sobriedade, sua serenidade, tem grande impacto para (surpreende) aqueles que conhecem a obra pregressa de Brisseau, e para quem ouviu um pouco dos bastidores da grande confusão que foram seus últimos filmes (penso em OS ANJOS EXTERMINADORES, não sei se outros) quanto às acusações do papel das mulheres e que ele seria um aproveitador (qual artista não é um aproveitador?). Brisseau faz uma resposta dura, porque doce. Seu filme é sobre um fim (é um filme fatalista), mas, com sobriedade, sem ressentimento, ele consegue olhar para frente, é generoso. Brisseau não se filma de forma autocomplacente como Jean-Claude Rousseau em DE SON APPARTEMENT nem com a veia ferina, a autocrítica corrosiva de Jacques Nolot em AVANT QUE J'OUBLIE. Brisseau tampouco morre cego como Carlão morreu em AVANTI POPPOLI. LA FILLE DE NULLE PART é uma mistura curiosa de WHATEVER WORKS com GRUPPO DI FAMIGLIA IN UN INTERNO. Contra o ressentimento, Brisseau faz um cinema possível. Retira-se em um apartamento; coloca-se em cena. Retira o que é escandaloso e provocativo e reduz o seu cinema à sua matéria-prima, à sua seiva. Campos-contracampos. O místico, o inefável, o desejo. A invenção. A necessidade de criar. A necessidade de amar. A vontade de arriscar tudo por um amor fugaz. À beira do oportunismo. Uma vida miserável, uma vida sem Deus. A solidão. O romance que o personagem de Brisseau escreve - talvez patético romance, não o sabemos - termina com uma citação a van gogh: " Eu passo muito bem sem Deus, seja em minha vida seja na pintura. Mas, sofredor como sou, eu não passo sem algo que é maior do que eu, que é a minha vida: o poder de criar.". Ao acabar o livro - é o que restou da vida, é o que é possível - o que resta a não ser morrer? O que resta, a não ser lembrar daquela cálida chama, que alguns podem chamar de amor? Um corpo que definha. Agora é tarde demais. Resta celebrar o que fica (algumas palavras num pedaçõ de papel, escritas a duas penas - o conforto contra o risco), e resta celebrar o que prossegue - a vida, o sexo, o feminino, aquilo que abre as janelas, que foge pelas portas, e que escapa pelas ruas do mundo. Mesmo sendo frágil amar, dolorido, doloroso. A juventude é difícil enquanto se é jovem, é bela quando vista de longe. É o que se tem. Brisseau permanece do lado de dentro - é tarde demais para tentar sair - mas não morre cego nem joga bolinha pra sua cachorra (ele permanece com uma missão, seja ela qual for, tendo sentido ou não, ao menos é uma "razão de ser", o que mais se pode querer se não se pode mais amar?): ele vê uma névoa de luz na parte final da sua vida, e celebra por isso. Por conseguir ver essa luz que se esvai, e por permitir que essa luz brilhe mais um pouco - o que só é possível após o seu adeus. E isso basta.

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