Dois Curtas

O Menino Japonês, de Caetano Gotardo *** ½
Confessionário, de Leonardo Sette *** ½


Não conseguirei escrever como gostaria sobre dois curtas que assisti no Curta Cinema: O Menino Japonês e Confessionário. Tentarei aqui dar breves esboços porque esses são dois curtas tão exemplares.


Para mim foi muito impactante ter visto O Menino Japonês curiosamente logo depois de ter escrito um texto sobre o uso do contracampo em Não Amarás (ver aqui). Porque em grande medida esse belo curta do Caetano Gotardo faz o mesmo: usa o contracampo como uma ontologia de ver o mundo, como um processo de libertação do olhar em ver o outro, e, em vendo o outro, acaba vendo mais sobre si mesmo. Para mim é muito significativa a escolha do próprio Caetano ser ator do filme, e seu personagem (personagem?) ser um cineasta. Vendo o próprio diretor ali, de corpo e alma, fica ainda mais clara essa relação de ver o outro como uma dobra de si mesmo. E nossa: como é lindo, como é maduro, dá gosto de ver a consciência do realizador sobre os elementos de linguagem. O Menino Japonês tem muitos paralelos com Areia, e a meu ver, avança muito em relação ao anterior: também é um filme sobre um diálogo tendo como contracampo agora não o mar de água e sim o mar de prédios. É lindo também como, à medida que vai anoitecendo, o filme vai trabalhando diferentes relações de espaço relativo à profundidade de campo, coisa que também era trabalhado em Areia (o foco). Como o filme retoma tanto o Feito Não Para Doer, o primeiro filme do Caetano (a dor, o ônibus) como também O Diário Aberto de R. ( o olhar, a relação homossexual). Ou seja, extremamente coerente com sua filmografia, Caetano ainda ousa avançar, problematizar, questionar, simplificar para complexificar. O Menino Japonês – filme japonês, filme paulista, – é ainda metalinguagem, filme sobre o olhar, filme sobre o uso do contracampo, filme sobre o desejo, filme sobre a fabulação, filme sobre a adequação da voz off, filme sobre como “colocar-se em cena”, filme sobre em que medida se pode (ainda) fazer um filme pessoal. A singeleza com que Caetano consegue tudo isso sendo extremamente fiel à sua filmografia é absolutamente admirável.


Confessionário é um documentário em um único plano (sic), um depoimento de um padre jesuíta em contato com uma tribo indígena. Além da fascinante questão que o depoimento desse padre coloca, é um filme que acima de tudo aponta para o seu próprio processo de construção. É que o depoimento desse padre é subitamente interrompido com um aviso do diretor que ele precisa parar para trocar a fita da câmera. Dessa forma, o curta de cerca de quinze minutos se encerra. Isso aponta para várias coisas. A primeira é o caráter peremptório, precário, do documentário, em que temos acesso sempre a um recorte, a uma fração incompleta de algo muito maior, que necessariamente será interrompido, pois a vida é um recurso escasso. Mas Confessionário vai mais além do que isso, é mais complexo em sua auto-referencialidade: isso ocorre pois, quando o diretor interrompe avisando que precisa trocar a fita, ele não o faz imediatamente, continua filmando o velho senhor se levantar da mesa e fechar a porta (ou seja, havia mais fita). Apontar de forma sutil essa “questão ética” nos faz refletir sobre a verdade, de que forma a verdade pode estar impressa em um documentário, ainda que o nível de “manipulação” do diretor seja mínimo (um plano de quinze minutos com câmera parada, um depoimento de um senhor para a câmera, em que a voz do realizador só é percebida no final). “Verdade” que pode ser pensada em várias medidas, pois o próprio depoimento do velho padre afirma, num determinado trecho que, num certo dia, ele colhe um depoimento de um índio, e percebe que esse depoimento não era verdadeiro. Ou seja, o relato oral é falho, parcial, suscetível a manipulações de várias naturezas e, na mesma medida, aponta para nós o que o velho pode estar fazendo diante da câmera (pode estar, não sabemos ao certo), de modo que temos acesso apenas a uma visão dos fatos, parcial, incompleta e precária. Dessa forma, é brilhante como, se prestarmos bem atenção, na verdade Confessionário não é um filme de um único plano: no início há fotografias que mostram o padre e os índios, outros “documentos” que possam mostrar essa relação possível. No entanto, as fotografias nos dizem pouco, nos dão outras informações precárias e parciais. Há um momento em que Sette corta para um plano detalhe da expressão do rosto do padre. Talvez o rosto, os olhos do padre possam nos dizer sobre seu verdadeiro sentimento em relação a esses índios. Mas o tempo foi “desbotando” a fotografia de tal forma que não conseguimos ver com precisão essa expressão: o close up acaba totalmente “pixelado”, desfigurando o rosto desse homem. Como saber a verdade então? Por trás da aparente simplicidade de Confessionário, Sette insere um conjunto de questões atuais sobre a natureza do documentário, problematizando a ingenuidade do registro, problematizando sua própria posição em relação ao entrevistado, de maneira absolutamente notável por seu enorme poder de concisão e economia.

Comentários

Anônimo disse…
adorei o texto sobre o confessionario...me pos a refletir sobre a palavra verdade, a etimologia da palavra ou a filosofia a ciencia como um todo...o mundo que a gnt ve a verdade que a gnt ve a crenca nas coisas a credibilidade das coisas...a modernidade...a pos modernidade...eh muito louco que um documentario seria poderia ou deveria ser uma das coisas mais credudalares (nao sei se existe essa palavra) pq a tecnologia da captacao da imagem proporcionaria essa possibilidade...e, no entanto...maravilha que vc captou essa mensagem do filme do sette e traduziu pra gnt. beijaoooo obrigadaoooooooo
Anônimo disse…
ah lembrei de mais uma coisa...qdo o diretor pede para cortar e deixa isso no filme ele usa uma tecnica que dah mais veracidade ao filme e ao mesmo acaba por falsear essa tecnica...eh mto interessante mesmo...
Naay~ disse…
Oie ameii seu texto :D
um texto bem bacana (:
original e auténtico .
beijos :*

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