Entre les murs

Entre os Muros da Escola
de Laurent Cantet
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Laurent Cantet, o surpreendente vencedor da Palma de Ouro em Cannes em 2008, permanece fiel à sua filmografia de reflexão sobre os problemas sociais franceses com uma certa pitada de cinema contemporâneo. Entre os Muros da Escola a princípio se apresenta como uma crítica ao sistema educacional francês, e impressiona por ser quase todo passado no interior dessa escola, como o título já nos anuncia. Mas na verdade é como se a escola fosse um microcosmo de algo maior, da França ou mesmo da Comunidade Européia: no interior dessa sala, um professor de francês numa escola da periferia de Paris vive às voltas com seus alunos de origens étnicas bastante diferentes: um árabe, um muçulmano, um chinês, um africano… e até um ou outro francês. Um filme também sobre a questão da hierarquia e que questiona a necessidade da disciplina do sistema para “educar” os adolescentes. Cantet opta por um estilo documental, que traz uma urgência ao filme, e é curioso como se utiliza o cinemascope num filme absolutamente claustrofóbico, sendo que o 2.35:1 nunca passa a idéia de um espaço em espansão ou mesmo de um rigor de enquadramento. A câmera na mão e o enquadramento quase sempre em planos próximos passam uma sensação de asfixia, gerando uma tensão que praticamente anula o extracampo, tornando o próprio enquadramento um barril de pólvora, centro de tensão. Mas ao mesmo tempo há um certo amaciamento, isto é, não é tão intrusivo (no movimento brusco de câmera ou no som) quanto o cinema dos Dardenne, por exemplo). Infelizmente não assisti a Ser e Ter, documentário de Nicholas Philibert, com boa repercussão na França sobre o ambiente escolar, mas é como se o filme fosse uma espécie de High School do Wiseman sobre o tema, mas com base ficcional. Além disso, há um detalhe que faz toda a diferença: vemos a questão sempre bem de perto do professor de francês, e o espectador se identifica com sua tensão entre “apertar” disciplinarmente os alunos ou “afrouxar” um pouco, já que um regime repressor no fundo aprisiona o talento desses adolescentes que ainda estão a desabrochar, devido às suas naturais inseguranças. A espontaneidade de todo o corpo de atores, especialmente dos adolescentes, injeta uma inegável energia, especialmente nos momentos de conflito do filme.

A questão é que, além disso, Cantet não parece problematizar sua premissa realmente a fundo, ficando a meio termo entre ser um exame de fato das contradições do sistema educacional e de um meigo retrato da relação com conflitos mas compreensiva entre aquele professor específico e os alunos da turma. Cantet não busca um distanciamento do espectador mas, ao contrário, lá pelo meio do filme, o autor busca uma certa simpatia do espectador para com esse professor, chegando a cunhar reações em campo-contracampo (professor e alunos) mais convencionais. O filme acaba esbarrando no psicologismo, especialmente pela solução de roteiro de buscar um “auto-retrato”: forçando os alunos a falarem de si, o filme busca uma chave pela psicologia, que torna tudo bem menos interessante. A reação dos alunos começa a se desenhar pelo seu perfil étnico: o chinês aplicado; o africano desenvolto; etc. No final das contas, apesar de bem executado, Entre os Muros da Escola passa para o espectador a mesma sensação daquela aluna do último dia de aula: “o que eu aprendi mesmo?”, quase como se fosse uma espécie de “Escolinha do Professor Raimundo” do cinema contemporâneo.

Por fim, Entre os Muros da Escola é interessante para pensar a herança do neo-realismo italiano no cinema de hoje, ou ainda, a herança do documentário de cinema direto. De um lado a urgência da questão social e a Europa fragmentada vista a partir de uma turma escolar; de outro, a busca pela simpatia ao invés do distanciamento e os chavões psicológicos para atrair o espectador. No final das contas, Cantet se revela o Ken Loach do cinema francês. Dependendo de quem vê, isso pode ser um elogio ou uma troça.

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