crítica CJS

Primeira crítica sobre o CARTA DE UM JOVEM SUICIDA, publicada no site do Filmes Polvo:
http://www.filmespolvo.com.br/site/eventos/cobertura/265

Cobertura Filmes Polvo 10 Festival Internacional de Curtas de Belo Horizonte
(em 25-07-08)

CB-1: Competitiva Brasileira 1

Com os filmes: Peiote, Carta de um jovem suicida, Casa de Máquinas, Os filmes que não fiz e Amarar


Carta de um jovem suicida
por Mariana Souto

Filmando inteiramente em plano-seqüência, Marcelo Ikeda parece ter encontrado em Carta de um jovem suicida uma possibilidade de exercício cinematográfico, mas sem perder de vista seu ponto essencial, a dor da mãe que se transforma – e transforma a casa – a partir da perda do filho.

No curta, transparece a sensibilidade de Ikeda diante do tema, sua vontade de filmar de perto e pacientemente um momento difícil na vida de uma pessoa. Nesse sentido, o plano-seqüência cumpre uma função de mínima intervenção para propiciar o registro da emoção da forma mais natural possível, sem cortes, sem edição. A câmera aguarda a personagem lendo a carta no seu tempo, esperando a virada da página, um suspiro, a contração do corpo. A escrita da carta é prosaica e às vezes parece que falta ao rapaz um motivo que justifique, de fato, sua ação. Mas o motivo é a própria falta de sentido, a mediocridade que vê a sua volta e que se apodera de si mesmo. Mais importante do que a carta é o impacto dela na mãe, o que justifica o fato de assistirmos a ela e suas sutis reações por tanto tempo, ininterruptamente. Não por acaso ouvimos a voz da mãe ao ler o texto, e não a do próprio garoto, autor daquelas linhas.

Contudo, ao mesmo tempo em que o plano-seqüência joga todas as atenções à mulher, acompanhando-a calmamente, chama também atenção para si mesmo, o plano-seqüência. Ikeda utiliza alguns truques recorrentes quando se opta por este recurso, como a mudança de cenografia e de luz em um local temporariamente fora da amplitude de visão das lentes. Exemplo recente de tal procedimento é Ainda Orangotangos, de Gustavo Spolidoro, onde, o que está em foco parece ser, antes de tudo, a magia do cinema e suas mirabolâncias. É inevitável, durante o filme, imaginar a equipe correndo loucamente para transformar o cenário enquanto a ação se desenrola a alguns metros dali, o que talvez distraia o espectador do suposto resultado pensado quando se escolhe filmar em plano-seqüência – a não-intervenção, o realismo e a imersão em determinado contexto.

Mas Marcelo Ikeda passeia entre o realismo e o intervencionismo, entre a devoção a seu objeto – a mulher – e a devoção ao dispositivo. A condensação do tempo entre as paredes da casa, que é um elemento de sua participação dentro do filme que muitas vezes parece dominado pela mãe, isola aquela atmosfera do mundo. Começamos pela maçaneta, entramos no universo do filme, fechamos as cortinas e estamos lá, no mundo mental da mulher ao lidar com a perda, com a falta que tanto preenche o espaço. E terminamos novamente com a mesma maçaneta, que nos joga para fora desse mesmo mundo, do qual não há mais nada para se ver.

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