O Fim e o Princípio

O Fim e o Princípio
de Eduardo Coutinho
Espaço Museu da República, quinta 16hs
**½

O milagre de Eduardo Coutinho

Enquanto continuamos com a discussão da renovação das leis de incentivo, da participação da Globo Filmes e do Prêmio Adicional de Renda, surge mais uma obra desconcertante de Eduardo Coutinho. Mesmo com toda a recente popularidade no meio crítico e acadêmico, Coutinho continua sendo um oásis dentro do cinema brasileiro. Coutinho é uma espécie de Straub do cinema tropical: cada vez mais seus filmes vêm insistentemente depurando a linguagem até chegar a um mínimo de recursos estilísticos para atingir a um máximo efeito expressivo. Seu cinema é um cinema franciscano, que se alimenta apenas de água e pão. Não há nenhum efeito, nenhuma metáfora, nenhuma possibilidade de grandes referências ou de grandes sínteses. E é por isso mesmo que Coutinho faz um grande filme. O que poderia ser uma reportagem de televisão, vira cinema. O que poderia ser um filme amadorístico torna-se uma obra de arte. Como explicar o mistério Coutinho? Não se explica. O cinema franciscano de Coutinho busca o milagre, e assim trabalha com uma idéia de ascese que nos remete a cineastas como Straub, Bresson, Dreyer. E, claro, a Aabas Kiarostami, que parece ser a principal referência a nos guiar quando vemos a O Fim e o Princípio.

Mas por que Kiarostami? Por que O Fim e o Princípio é um filme sobre seu próprio processo de criação enquanto filme. Sem roteiro, sem guia, sem pesquisa prévia sobre esses personagens, Coutinho caminha para o interior da Paraíba, para dentro do sertão, para um mundo que ao mesmo tempo parece em vias de extinção e parece durar para sempre. O grande plano-síntese do filme é quando Rosa, guia do filme, que trabalha para a Pastoral do local, desenha numa grande folha de cartolina uma espécie de mapa da região, descrevendo cada casa que posteriormente Coutinho e sua equipe irão visitar. Essa folha de cartolina é o roteiro do filme, que vai sendo construindo ali, pelas mãos de Rosa. É também uma espécie de adendo metodológico do que o filme busca: um cinema que nega seu lado autoral para se concentrar sobre seu próprio processo de criação.

Mas só entendemos por completo o projeto de Coutinho depois de 1 hora de filme. As entrevistas (na verdade, conversas) de Coutinho com os moradores da região são um tanto frias e menos iluminadas que seus filmes anteriores. Mas depois que a equipe retorna ao local para um segundo contato, as coisas meio que se transformam. Daí O Fim e o Princípio se revela um filme sobre a amizade, sobre a possibilidade de contato entre duas pessoas tão diferentes por meio do cinema. O cinema então PODE ser um instrumento de estímulo à amizade. A partir de então, a resistência inicial dos moradores da região vai sendo quebrada. E à medida que vai sendo quebrada, o filme de Coutinho vai sendo feito. Quando Coutinho e sua equipe finalmente se tornam amigos dos moradores daquela região, já é hora de partir. O filme acaba. Ou seja, mais que o resultado, o que importa aqui é o percurso. Ou ainda, o que é mais importante em O Fim e o Princípio é percebermos que um filme como esse PODE SER FEITO. Ora, Coutinho não é ingênuo: em última instância, O Fim e o Princípio é um filme sobre o cinema, sobre o processo de se fazer um filme.

Comentários

Anônimo disse…
Espero que o Coutinho veja este texto. Assistí uma "aula" dele na fundição progresso, ele disse que aprendia muito com crítica sobre seus filmes. E esta é impecável(cinema franciscano!!)
Cinecasulófilo disse…
cris, obrigado pelo elogio, mas ISTO NÃO É UMA CRITICAAAAAA.... é um texto, um blablabla...

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