Marcas da Violência

Marcas da Violência
De David Cronenberg
Espaço Unibanco 2 qui 22hs
***½

Falar sobre esse filme de Cronenberg é falar sobre o impossível. Um dos filmes mais impactantes que vi recentemente. Uma pequena obra-prima. Um filme de concisão: é daquele tipo de filme em que TUDO parece estar no lugar, em que CADA PLANO tem uma função absolutamente precisa dentro de narrativa. É um trabalho de extrema maturidade, elegância e eficiência em cada recurso de linguagem utilizado. É um filme que nos ajuda a lembrar da enorme tradição do grande e velho cinema americano, com todas as suas convenções (o cinema de gênero). Cronenberg evidentemente domina as regras próprias desse cinema, mas as usa em benefício próprio, converte as fórmulas para seu universo pessoal.

O que dizer sobre o filme? Muitas coisas podem ser ditas. É um filme sobre os Estados Unidos de hoje (a suposta ameaça terrorista, etc.), sobre a inevitabilidade do mal (para mim esse é o principal tema do filme), sobre a impossibilidade de abandono de um passado, sobre a construção de uma família (imagino a reação de Spielberg assistindo a esse filme e diante do final), e uma investigação ambígua sobre o sonho americano e o preço pago para essa construção (ou o que há por trás do aparente sonho americano). Nesse ponto, o filme tem muito mais contundência para mim que um Menina de Ouro ou mesmo as baboseiras de Beleza Americana e cia.

Marcas da Violência é um grande filme porque vem de um cinema físico. Um cinema que busca a ação para virar pelo avesso o lado psicológico de seus personagens (extraordinária atuação de Viggo Mortensen, uma enorme revelação, já que antes só tinha feito papéis canhestros como em O Senhor dos Anéis). Esse é o tipo de filme que há alguns anos eu escreveria laudas, mas hoje, eu apenas enrolo, já que acho que o filme é tão conciso, tão preciso, que já fala por si.

A violência faz parte de nós. Vive-se nessa tentativa de enclausurar o instinto, mas uma hora ou outra ele vai desabrochar. Isso porque o mal nos ronda. E não podemos ser omissos diante dele porque ele inevitavelmente poderá afetar nossas vidas. E muitas vezes não somos o que parecemos ser. Podemos ser pessoas doentias ou monstruosas. Somos capazes de realizar atos verdadeiramente monstruosos, seja por uma “boa ação” seja por uma “má ação”. Como se pode conviver com isso? Como podemos olhar para nossa esposa e dar lições para os nossos filhos diante da monstruosidade da natureza humana?

Daí vem aquele final. Só tinha visto uma coisa dessa em A.I. de Spielberg, quando o menininho ri na mesa de jantar, ou em Gritos e Sussurros. Mas aqui é exatamente isso, uma coisa que eu compatilho muito com Cronenberg: como se pode continuar? Ainda somos capazes de olhar nossa família nos olhos, ou ainda, de sermos olhados nos olhos por nossa família? Ou ainda, é possível viver depois de Auschwitz, dos ataques terroristas, etc.....

p.s.: pra mim a cena mais difícil do filme (sem contar é claro com o final) é quando o filho finalmente bate no garoto da escola. No comments.

Comentários

Anônimo disse…
Concordo que é preciso deixar o filme falar por sí. Saí do cinema muito mais próximo das minhas tripas. Mas não acho que seja preciso relacionar diretamente o filme com o medo do euanos e as questões do terror, até porque seria meio pequeno vindo da parte do cronnenberg, que, como vc disse, é de uma elegância... Prefiro o contato com as minhas próprias entranhas do que apontar pras entranhas dos gringos. É isso que sentí. No final, apenas o calor do sangue circulando pelas tripas!
Cinecasulófilo disse…
mas aí é que está. Acho que PODE HAVER (a gosto do freguês) uma leitura comparando o filme com a situação atual dos eua, mas o filme vai além do filme "meramente político", é uma porrada nas tripas, como vc bem coloca.
Anônimo disse…
É verdade. Também achei muito interessante a escolha dos atores: o Rei dos anéis (viggo), o bom vizinho (hurt), e o babyface (harris). É o "Poderoso chefão" de olhos azuis, mas não existe o distanciamento prático entre os carcamanos e os eua, porque a sujeira é redneck mesmo.

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