Clean

Clean
De Olivier Assayas
Est Botafogo 1, dom 17hs
**½

Devo escrever mais sobre esse filme. Agora às 2 da manhã, vai ser difícil organizar algum pensamento. Hmmm... um filme sobre uma mãe drogada que quer ficar com a guarda do filho a princípio não promete muita coisa, mas Clean vai muito além da churumela. Se fosse um filme italiano, já poderáimos imaginar o conjunto de lágrimas e comoção barata que o filme estaria cheio, mas a diferença é que Olivier Assayas é um diretor de cinema, e daí que Clean, apesar das limitações, é sem dúvida um trabalho invulgar. Um trabalho muito humano sobre a transformação dessa mãe. E também um trabalho muito repleto de um sentimento de cinema, o tesão pelo cinema invade cada plano do filme, e para a gente que sonha em fazer parte desse mundo é delicioso ver a forma livre como Assayas conta essa história narrativa, linear. Às vezes parece até um filme da Claire Denis, tamanho é o desejo pela linguagem: o primeiro show filmado ao calor da pele, e o filme cheio de jump cuts e elipses filmados em planos próximos, entrecortados com longos planos gerais de tempos mortos (o carro perto da ponte, o fumar de um cigarro, etc). Mas também não chega a ser tanto: a verdade é que Clean acaba se perdendo lá pelo seu miolo do filme, o personagem do menino e mesmo o do Nick Nolte acabam não muito bem desenvolvidos, etc. Clean poderia até ser um filme americano, dado o seu entrecho, mas Assayas é muito hábil em construir uma narrativa cheia de vigor, paixão e gosto pelo cinema. Assim, quem é cinéfilo curte.

Mas não é só isso. Esse desejo de transformação da mãe é filmado de uma forma muito respeitosa por Assayas, o que nos traz muitas lições. E mais: uma performance fantástica da fantástica Maggie Cheung (quem não guardar para sempre sua reação quando ela encontra com o empresário de seu marido na prisão é a mulher do padre...): uma economia de recursos, um poder de síntese, no sentido de ter que se transformar mas ao mesmo tempo continuando a ser a mesma pessoa: esse é o enorme desafio que Cheung resolve com incrível simplicidade. Às vezes o filme até parece um pouco o Bleu do Kieslowski, pelo gosto pelos tempos mortos, pelo respeito ao tempo da transformação, pelas cenas de moto ao longo de Paris, por uma atuação de grande concentração de energia. É incrível, porque esse filho só tem essa mãe (os avós estão morrendo...), e essa mãe só tem a esse filho (seus amigos a abandonaram), então apesar dessa distância abissal, a vida de um passa a ser a do outro, e quando estão juntos, toda a distância se dissipa (é claro que o filho o tempo todo apenas estava com medo de a mãe não o querer, não o amar). Da intimidade dessa distância, Assayas faz um retrato quase fenomenológico dessa transformação, desse desejo de origem, dessa necessidade de “fazer as pazes consigo mesmo”, desse desejo de amadurecer. O filme então acaba falando de uma geração que “encaretou”, que foi respeitosa em ver o tempo passar, e que agora até tem que trabalhar como vendedora de uma lojinha furreca. Mas é claro – Assayas sempre gosta disso – que também tem uma metalinguagem: Emily passa a ser cantora, artista, e deixa a lojinha para pegar sua chance fugidia. A cena da gravação no estúdio é primorosa, prova de que Assayas é encenador invulgar (não é qualquer um que dirige uma cena dessas). Toda essa fissura acaba na música, forma que Emily alcança para extravasar tudo isso, talvez (a cena em que ela chora tomando um capuccino é divina). Um belo filme, estimulante como linguagem, inteligente, mas tbme não é aquele trabalho que te “tira o chão”, é muito do que a gente já viu, e em termos do entrecho nada demais. Primeiro filme do Assayas lançado no Brasil, um trabalho mais comercial do diretor francês. Parabéns de qualquer forma a Imovision.

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