Cartas do absurdo
Cartas do absurdo
de Gabraz
A carta relata as opressões
sofridas pelos indígenas durante a mineração. Em um gesto criativo, Gabraz
promove um arco temporal, relacionando-o com os recentes desequilíbrios
ambientais no estado de Minas Gerais, no rompimento das barragens em Mariana e
Brumadinho, em 2015 e 2019, que mataram mais de 300 pessoas e afetaram mais de
1000 famílias. A multiartista Sara não tem nome atua em uma performance. Em um
dos planos, a cobiça despertada pela terra ofusca Narciso, que se olha por um
espelho retorcido. Os sons contribuem para a construção de uma sugestiva
atmosfera sonora que invade o filme em uma mistura de delírio e sonho.
Em um trecho da carta, o
indígena afirma que, ao acordar, viu os grandes barcos se aproximando do cais.
E é justamente este o último movimento do filme: um longuíssimo plano sequência
de 28 minutos, cujo ponto de vista é visto pela proa da embarcação. Os olhos do
comandante dominam a embarcação, que se remete à época dos descobrimentos,
quando Portugal chegou ao continente sul-americano, símbolo da dominação
colonial. Esse plano poderia ser um dos travelogues dos irmãos Lumière mas
visto pelo prisma do cinema contemporâneo, à moda de James Benning. No entanto,
podemos fazer uma outra leitura: esse é o contracampo da imagem do indígena, no
primeiro plano do filme. É a imagem do colonizador, chegando à terra firme. E,
com ele, a câmera de filmar. A chegada da civilização coincide com a entrada do
próprio cinema. O cinema também é um aparelho civilizatório da cultura branca.
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