Confesso que eram as melhores minhas expectativas para HEART OF A DOG, filme da artista Laurie Anderson, uma espécie de filme-ensaio em primeira pessoa, em torno de temas morais, em especial como lidar com as perdas. Acontece que as boas intenções serviram para que Anderson fizesse um "filme de boas intenções". Quase (mal comparando) como um ELENA, Anderson carrega seu filme nas texturas sensoriais para tentar comover o espectador mas seu suposto refinamento acaba soando como um manual de auto-ajuda para os leitores da revista Vogue, ou ainda, para os espectadores da GNT. Imagens saturadas, fusões, correções de cor, animações, efeitos visuais que buscam dar um look de película ao vídeo, etc, camuflam a falta de rigor na composição das imagens e relação com os sons. O texto, excessivamente didático, transformando mantras tibetanos e budistas em filosofia de almanaque, com uma entonação excessivamente marcada nas pausas e nos meandros sentimentalistas, é acompanhado por uma trilha sonora (música) ilustrativa e reiterativa. Enfim, soluções muito óbvias, que afastam o filme de qualquer possibilidade de busca por uma poesia verdadeira, que enfrente a dor de forma crua e honesta, mas que enfeitam o filme de penduricalhos altamente bregas e redundantes. HEART OF A DOG tem tudo o que de pior o cinema em primeira pessoa pode trazer.

Depois da sessão, resolvi relaxar um pouco revendo REBECCA, de Alfred Hitchcock. Nossa, que filme! Quanta diferença! Talvez esse seja o primeiro filme que Hitch se afirma como um grande autor. Os maiores autores do cinema clássico entenderam que sua base popular está com o diálogo com o folhetim. É nessa linhagem de um Charles Dickens que o cinema clássico prossegue, como bem entenderam grandes cineastas como Eisenstein e Godard, apesar de terem seguido um caminho muito diferente. REBECCA é magistral em como o diretor conseguiu imprimir um tom muito singular à narrativa, em como a casa se torna protagonista do filme, de modo que sua arquitetura ganha enorme relevo, destacada por uma extraordinária fotografia em profundidade de campo. Aqui, Hitch utiliza todas as suas influências do aprendizado na fase inglesa, em como usar o suspense e o diálogo com o expressionismo, mas aqui consegue maior leveza, ambiguidade, humor e agilidade. Fiquei extrapolando duas coisas. Uma é como é um filme do entreguerras, com todas as marcas sombrias do fracasso de uma aristocracia europeia na véspera da II Guerra. Segundo, que é um filme sobre Hollywood, em sua busca pela perfeição e pelas aparências quando tudo está podre por dentro. O filme tem um crescendo dramático que explode no final, com o fogo. Belíssima e marcante sequência é quando Joan Fontaine finalmente vai visitar o quarto da Rebecca.

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