Rak ti khon kaen
CEMITÉRIO DE ESPLENDOR
Na falta de termo melhor para expressar o meu
encanto-espanto, começo dizendo que CEMITÉRIO DE ESPLENDOR é um filme muito
lindo. Confesso a vocês que é o filme que mais me toca desse artista tailandês
tão difícil de dizer o nome (Apichatpong Weerasethakul) que ele mesmo disse que
pode ser chamado pelos orientais simplesmente de "Joe". É um filme para
ser visto no cinema. Acho importante (fundamental) esse gesto de sairmos de
nossas casas e irmos até um templo hermeticamente fechado, totalmente escuro
banhado por um feixe de luz, para embarcar em um estado de suspensão (o tal
"estado-cinema"). CEMITÉRIO DO ESPLENDOR pode ser visto como um filme
sobre o estado-cinema. Se o cinema é um sonho, se as nossas próprias vidas são
um sonho, não sabemos ao certo, não podemos dizer. O que podemos dizer é que
ela existe. O cinema de "Joe" tornou-se muito conhecido pelas oscilações
(pelas dobras, pelas fissuras) entre um certo realismo mágico e uma presença do
real. Uma narrativa lânguida, um toque de humor, um sentimento de leveza. Essa leveza que, mais do que aspecto formal, é
um modo de ser, uma maneira de olhar e de estar no mundo - essa me parece a
grande força do cinema de Joe, o seu humanismo. Mais do que essas dobras entre
o sonho e o real, o que me interessa em CEMITÉRIO DE ESPLENDOR é como o diretor
consegue expressar uma forma leve de estar no mundo, esse modo de ser. Num
mundo em que a guerra, a violência, a especulação imobiliária nos empurra para
um cenário de competitividade e de aceleração do tempo, parece que o filme embarca
na possibilidade de estarmos juntos ainda assim. Enquanto as obras continuam lá
fora, há o jardim, a natureza, os corpos, a vida. CEMITÉRIO DE ESPLENDOR me
lembra ESSE AMOR QUE NOS CONSOME, nessa esperança de podermos habitar o mundo
de outra forma, e de uma forma positiva (zen) de construirmos nosso cenário de
resistência. Um hospital, um jardim, um galpão, uma casa. Ou ainda, MAURO EM
CAIENA, especialmente quando vemos, quase no final, os meninos brincando no
campo de futebol dividindo o terreno com os tratores que cavam o solo seco. Enquanto
as máquinas não acabam o serviço, é possível (ainda) pisar o chão com pés
descalços. O tom cool (o hospital, a sensualidade) de ETERNAMENTE SUA, os
soldados e a natureza de MAL DOS TRÓPICOS, o humor discreto de SÍNDROMES E UM SÉCULO
estão ali, de outra forma, da mesma forma - um filme que constroi uma
filmografia, reiterar sem se repetir. Para ver um filme de Joe, é preciso
manter os olhos bem abertos e ao mesmo é preciso fechá-los. Na falta de termo
melhor, digo que CEMITÉRIO DE ESPLENDOR é um filme lindo, e que fez meus dias nublados
se tornarem mais belos.
p.s.: O filme tem um trabalho extraordinário de luz (a luz
que entra pelas janelas do hospital) e de som (o uso minimalista do som como
uma paisagem sonora, as ambiências sutis entre os silêncios, o som da natureza
e o mecânico das obras e carros). Por tudo isso, esse filme precisa ser
visto/sonhado numa sala de cinema.
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