ENTRE MIM E ELES - CARTA DE INTENÇÕES


Amigos,
Acabo de finalizar mais um filme caseiro, chamado ENTRE MIM E ELES.

Pouco tempo depois de começar a morar em Fortaleza, recebi o convite para fazer o making-of de “Os monstros”, o novo filme do Alumbramento, realizado por Guto Parente, Luiz e Ricardo Pretti e Pedro Diógenes, filmado logo depois de Estrada Para Ythaca. Achei interessante fazê-lo de forma que não fosse formatado como um making-of tradicional mas que tivesse uma autonomia, como se fosse um típico trabalho meu. Assim, ENTRE MIM E ELES é na verdade um ensaio sobre o processo de filmagem de OS MONSTROS, ou seja, um filme sobre um filme sendo feito, ou ainda, como eu o apresento, um “filme-processo”.

Como se fala muito sobre essa cena com base no processo, na coletividade e nas relações de afetividade entre os membros da equipe, ENTRE MIM E ELES me pareceu um prosseguimento das questões que venho colocando nos meus textos e nas minhas palestras, como essas questões se dão a ver no próprio set de filmagem. É possível, portanto, ver no set como a equipe trabalha com quatro diretores sem relação de hierarquia, e como a afetividade e a amizade se infiltram no próprio processo de realização da obra. Essa tênue relação entre criação e vida, de modo que se faz cinema e se vive ao mesmo tempo. O exemplo típico é a sequência na praia, quando nos intervalos da filmagem todos vão tomar banho de mar! É ainda possível ver como se filma com tão pouco: a primeira sequência mostra como há apenas um refletor para iluminar todo o set, e o resto vai se fazendo como é possível. ENTRE MIM E ELES, portanto, é uma espécie de filme-ensaio, um documento crítico que fornece mais elementos para se compreender o cinema-de-garagem brasileiro.

Ao mesmo tempo, acredito que esse seja um filme que possa ser visto para além do mero registro, mas como uma obra independente, visto que prossegue com o meu próprio cinema: ou seja, é um filme-diário, um filme-carta, um filme-ensaio, um filme-de-arquivo, um filme-de-garagem. De um lado, esse filme vem dialogando com os videos que venho fazendo precariamente ao longo da última década, perceptível através dos enquadramentos, das opções por um tempo mais alongado, pelo silêncio e pela sugestão. Pelos vazios e pelas penumbras. Ou seja, por suas opções econômicas, éticas, estéticas e políticas. É assim que acredito que ENTRE MIM E ELES não é simplesmente “um institucional do novíssimo cinema brasileiro” mas oferece outras camadas de interpretação.

O próprio título oferece uma dessas camadas. De fato, não é só um cineasta que filma outros cineastas mas é justamente um amigo que filma outros amigos. A minha relação de intimidade com tudo o que se apresenta ali é muito clara, e toda a equipe me acolheu de braços abertos para que eu pudesse testemunhar (conviver) esse processo muito íntimo, costurado artesanalmente por poucas pessoas. Ao mesmo tempo, não faço parte da equipe. Filmo tudo com uma certa distância, com uma certa solidão. Há algo ali entre mim e eles. Faço um filme solitário sobre um filme coletivo.

Por isso, acredito que o “prólogo” e o “epílogo” possam oferecer mais camadas, para contribuir para uma certa distância crítica em relação ao que se constroi ao longo do filme. Essa estrutura em três partes – que dialoga com outros de meus filmes, como o EM CASA, DESERTUM e ÊXODO – retoma o meu próprio trabalho com a casa e a autorrepresentação, transformando assim ENTRE MIM E ELES numa espécie de video-carta, um tanto parecida, a meu ver, com as intenções da minha CARTA DO CEARÁ. Se de um lado esse filme é um ensaio crítico sobre o cinema-de-garagem brasileiro, ele é ao mesmo tempo imensamente pessoal, como as críticas que costumo publicar no meu blog. Ou seja, busquei fazer de ENTRE MIM E ELES uma tradução para a linguagem audiovisual (um filme) dos textos críticos que escrevo em meu blog: rigor combinado com intimidade. Se eu puder ser direto, diria que esse filme é um cântico de esperança e uma ladainha de lamento: esse filme não é propriamente sobre o fim mas sobre o fim da minha própria possibilidade de compartilhar um sentimento sobre um certo contexto. Ou ainda, é sobretudo um ato confessional do meu próprio fracasso. Ao mesmo tempo, ainda há mais caminhos a serem percorridos. Permaneço acreditando muito na possibilidade da resistência. É preciso persistir. Esse filme é uma garrafa lançada ao mar.

Marcelo Ikeda
Fortaleza/Rio de Janeiro, março de 2013.

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