Mauro em Caiena

MAURO EM CAIENA é um filme sobre o extracampo. Aparentemente é um curta sobre o tio do realizador que mora na Guiana Francesa. Acontece que tanto o Mauro quanto Caiena estão no extracampo, como pontos de fuga. Revelam-se, quase como subterfúgios, para que Leonardo Mouramateus, fale, assim como em Europa, do seu entorno. Mas como falar de seu entorno sem falar nessa tensão entre o desejo de pertencimento e o desejo de fuga? É por isso que na mesma medida em que MAURO EM CAIENA é um contundente documentário sobre um bairro de Fortaleza HOJE ( por exemplo, o registro das demolições, as árvores e casas marcadas com um “X”), ele também expressa um desejo por uma fabulação. Fabular, para poder melhor documentar. Pois o que é viver ali em Fortaleza senão entender a necessidade de fabular e de ver a possibilidade de um ponto de fuga? Ou seja, não é possível documentar sem fabular (não é possível falar de quem somos sem fabularmos o que desejamos, um lugar outro, uma coisa outra). É, então, ao mesmo tempo, um diário íntimo do realizador com sua família (a presença da tia e sobrinho, a voz-over) quanto um filme de ficção, de ficção científica sobre esse lugar outro, que não se conhece nem nunca se chegará a conhecer. Ainda, é um filme infantil, pois é preciso olhar as coisas com uma certa inocência, que é própria do universo das crianças. Assim como Leo fala sobre seu tio que ele nunca chegou a conhecer, ele observa seu sobrinho, ali a seu lado. As coisas se repetem e se transformam. Tensiona, desse modo, de maneira complexa as relações entre ficção e documentário, mas sem “dispositivo”, e sim numa mistura orgânica e fluida, em que as imagens e os sons (a narração) se fundem e se complementam em diversas direções, nunca ilustrativas mas sempre sugestivas, num ritmo muito particular. Mas no entanto me parece que esse desejo de fuga é sempre contrabalançado por um desejo muito grande de pertencimento a um lugar que, mesmo que precário, é o seu. É essa bela tensão que me permite afirmar que Mauro em Caiena é um prolongamento das questões de Europa. Se existe, de um lado, esse desejo típico de quem mora em Fortaleza de “se mudar”, de ir para um lugar outro, existe também um desejo de volta, de aqui ficar. Depois do delírio da festa, a ressaca (um cinema fincado no presente). Afinal de contas, “a gente sempre volta pra casa no domingo de manhã”.

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