Insolação

(observações rápidas e confusas sobre insolação)

Insolação é um belo filme. Há uma busca por um humanismo, em abraçar pessoas que têm dificuldades e procuram sobreviver. Há um rigor, um trabalhão cuidadoso, em termos de imagem e som. Um filme quase todo recheado por silêncios. Uma fotografia plasticamente vigorosa de Mauro Pinheiro Jr. Mas ao mesmo tempo é como se não fosse um filme. Insolação sofre do mesmo mal que Do Começo ao Fim, o filme de Aloísio Abranches: ele é tão delicado, fala de um amor que é tão frágil, que não cabe nesse mundo. Com isso, os diretores Felipe Hirsch e Daniela Thomas parecem querer isolar seus personagens do mundo, porque o mundo é causador de uma enorme tristeza, de enorme dor. O mundo não entende esse desejo enorme de amar e de ser dos personagens. Eles parecem condenados porque amam demais, mas na verdade são delicados demais para poder viver. O amor é tão intenso que não pode ser vivido, apenas contemplado (mas será que um amor que não pode ser vivido é amor de fato?). A fragilidade desse afeto chega a ser até comovente, e o cuidado, o rigor, com que os diretores abraçam esse desejo esguio é bonita, tem vontade de ser. Mas o que nos intriga é: como é que se pode falar sobre o amor fugindo do mundo? Esse amor, que é sentido de forma tão intensa, acaba se revelando estéril, vazio: uma enorme e bela bolha de sabão como todo o filme, mas estéril, porque apenas aponta para a sua impossibilidade de permanência. O problema é que o filme não constrói um mundo de possibilidades a partir dessa falta, mas simplesmente evoca essa própria fragilidade, sem conseguir se mover. Contempla apenas a si mesmo, nessa consciência dessa beleza transitória, prestes a acabar, antes mesmo de começar. Assim o filme não consegue articular mais que esquetes, mais que meias frases de efeito, e não desenvolve o interior de seus personagens, suas verdadeiras motivações. Dessa forma, em sua própria estrutura, Insolação articula o âmago de seu processo: uma enorme dificuldade de ser, uma imensa fragilidade, uma impossibilidade de ser alguma coisa além da “autocontemplação” de uma beleza estéril. Do Começo ao Fim e Insolação comovem por sua radicalidade, mas seu desejo desesperado de fugir do mundo, falando de uma beleza que não cabe nesse mundo, mas que também não faz nenhum esforço para pertencer a esse mundo, acabam dizendo muito mais sobre um certo cinema brasileiro, revelando qual o papel da arte para uma certa classe alta artística brasileira.

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