Aquele Querido Mês de Agosto
Nesse início de ano estão começando a surgir as listas de melhores filmes do ano de 2009. Neste ano, não tenho muita pressa ou expectativa em elaborar a minha lista pessoal, já que os filmes que estrearam comercialmente (isto é, excluindo as exibições exclusivas em mostras e festivais) realmente muito bons foram muito poucos. No entanto, não posso deixar de me omitir sobre o que foi disparado o melhor filme de 2009: Aquele Querido Mês de Agosto, o óvni português de Miguel Gomes.
Na verdade, gostaria de escrever com mais cuidado sobre o filme mas, como quase sempre acontece nesse blog (ou na vida), as coisas precisam seguir assim mesmo. Aquele Querido Mês de Agosto encanta por sua ousadia, por sua sensibilidade, por ter sido realizado num limite tênue entre o tudo e o nada, e ainda assim não ser pretensioso mas doce, íntimo e encantador.
Recentemente Eduardo Escorel criticou Moscou por ter visto que, depois de horas de material rodado, simplesmente “ali não tinha filme”. O próprio Coutinho confirmou que passou por uma enorme angústia, uma crise, que pensou em “parar de fazer cinema”, tamanha a dificuldade de “encontrar” o filme na montagem. Fico imaginando o que Escorel diria ao ver o material bruto de Aquele Querido Mês de Agosto. Ou ainda, imaginamos como o diretor Miguel Gomes, em seu segundo longa-metragem, sem a experiência de décadas na realização como o veterano Coutinho, deve ter se sentido na montagem desse filme.
A primeira hora de Aquele Querido Mês de Agosto é uma das mais encantadoras do cinema contemporâneo recente. Muito se fala no cinema contemporâneo em termos de como se combina ficção e documentário, e já se falou bastante sobre esse aspecto no filme. Mas sua singularidade reside no fato de que não se trata de “dividir” os aspectos documentais e os aspectos ficcionais, e sim que ambos estão “colados” numa liga orgânica que funciona como um adubo para que o filme floresça. Daí a importância da espetacular montagem, que une as sequências de uma forma livre, com associações belas e criativas, dinâmicas, que me fazem lembrar, a grosso modo, de um filme como O Som ou o Tratado da Harmonia, de Arthur Omar. Os grupos musicais no interior de Portugal servem como um fio condutor mas o interesse de fato do filme é perscrutar os locais, os costumes, as pessoas mas sem um ranço acadêmico (colher informações, o etnógrafo buscando um “folclore”, etc). A pulsão do filme está na alegria e na liberdade de viver com as pessoas, de fazer pulsar um certo modo de viver, uma poesia irresistível que entra em direto contraste com o modo de vida cada vez mais pragmático, materialista e vulgar dos grandes centros urbanos. Mas Miguel Gomes não quer fazer uma crítica à modernidade nem meramente registrar o seu contato com o outro: ele parece simplesmente interessado em cantar a possibilidade de existir, quer vasculhar os recantos e as pessoas com uma curiosidade quase juvenil (digo, no bom sentido, uma ingenuidade saudável), como se não conseguisse parar de nos mostrar a riqueza do mundo e a beleza dos pequenos fatos. Essa livre montagem e um uso formidável do som (a importância do som como autônomo à imagem é explicitada no fim, quando o próprio técnico de som conversa com a equipe, isto é, conosco), em que o som de uma sequência é antecipado na sequência anterior, ou prolongado na sequência seguinte, além de um trabalho rico mesmo de autonomia das camadas sonoras (já que o filme é também sobre o cantar como instância libertadora), ainda que sutis, tornam o filme um exercício maduro e tremendamente arriscado, cujo equilíbrio se dá no fio da navalha, expondo lugares e personagens, e muitas vezes retomando-os posteriormente para acrescentar, problematizar, dinamizar a narrativa.
Por outro lado, há um aspecto metalingüístico no filme. Vemos a própria equipe filmando o filme que estamos vendo, como se o filme fosse uma espécie de making of, mas com cenas claramente ficcionais. Dessa forma, um representante do produtor questiona o diretor sobre o filme que está sendo feito, “sem atores”, “sem roteiro”, e o diretor responde simplesmente que continua a buscar o filme, como se esse processo de busca fosse o próprio filme. Em seu terço final, é como se o diretor passasse a “filmar esse filme que se estava a princípio procurando”, ou seja, uma história ficcional basicamente relativa a um jovem casal que se descobre apaixonado, participantes de um grupo musical. Essa dobra narrativa acontece de uma forma orgânica, mas por outro lado arrasta o filme, cuja duração é de quase 145 minutos. Ainda assim, não apaga a brilhante contribuição de Miguel Gomes, a magia dos seus primeiros noventa minutos, um maravilhoso e comovente passeio (num carro de bombeiro?) por um mundo realista e encantado.
Na verdade, gostaria de escrever com mais cuidado sobre o filme mas, como quase sempre acontece nesse blog (ou na vida), as coisas precisam seguir assim mesmo. Aquele Querido Mês de Agosto encanta por sua ousadia, por sua sensibilidade, por ter sido realizado num limite tênue entre o tudo e o nada, e ainda assim não ser pretensioso mas doce, íntimo e encantador.
Recentemente Eduardo Escorel criticou Moscou por ter visto que, depois de horas de material rodado, simplesmente “ali não tinha filme”. O próprio Coutinho confirmou que passou por uma enorme angústia, uma crise, que pensou em “parar de fazer cinema”, tamanha a dificuldade de “encontrar” o filme na montagem. Fico imaginando o que Escorel diria ao ver o material bruto de Aquele Querido Mês de Agosto. Ou ainda, imaginamos como o diretor Miguel Gomes, em seu segundo longa-metragem, sem a experiência de décadas na realização como o veterano Coutinho, deve ter se sentido na montagem desse filme.
A primeira hora de Aquele Querido Mês de Agosto é uma das mais encantadoras do cinema contemporâneo recente. Muito se fala no cinema contemporâneo em termos de como se combina ficção e documentário, e já se falou bastante sobre esse aspecto no filme. Mas sua singularidade reside no fato de que não se trata de “dividir” os aspectos documentais e os aspectos ficcionais, e sim que ambos estão “colados” numa liga orgânica que funciona como um adubo para que o filme floresça. Daí a importância da espetacular montagem, que une as sequências de uma forma livre, com associações belas e criativas, dinâmicas, que me fazem lembrar, a grosso modo, de um filme como O Som ou o Tratado da Harmonia, de Arthur Omar. Os grupos musicais no interior de Portugal servem como um fio condutor mas o interesse de fato do filme é perscrutar os locais, os costumes, as pessoas mas sem um ranço acadêmico (colher informações, o etnógrafo buscando um “folclore”, etc). A pulsão do filme está na alegria e na liberdade de viver com as pessoas, de fazer pulsar um certo modo de viver, uma poesia irresistível que entra em direto contraste com o modo de vida cada vez mais pragmático, materialista e vulgar dos grandes centros urbanos. Mas Miguel Gomes não quer fazer uma crítica à modernidade nem meramente registrar o seu contato com o outro: ele parece simplesmente interessado em cantar a possibilidade de existir, quer vasculhar os recantos e as pessoas com uma curiosidade quase juvenil (digo, no bom sentido, uma ingenuidade saudável), como se não conseguisse parar de nos mostrar a riqueza do mundo e a beleza dos pequenos fatos. Essa livre montagem e um uso formidável do som (a importância do som como autônomo à imagem é explicitada no fim, quando o próprio técnico de som conversa com a equipe, isto é, conosco), em que o som de uma sequência é antecipado na sequência anterior, ou prolongado na sequência seguinte, além de um trabalho rico mesmo de autonomia das camadas sonoras (já que o filme é também sobre o cantar como instância libertadora), ainda que sutis, tornam o filme um exercício maduro e tremendamente arriscado, cujo equilíbrio se dá no fio da navalha, expondo lugares e personagens, e muitas vezes retomando-os posteriormente para acrescentar, problematizar, dinamizar a narrativa.
Por outro lado, há um aspecto metalingüístico no filme. Vemos a própria equipe filmando o filme que estamos vendo, como se o filme fosse uma espécie de making of, mas com cenas claramente ficcionais. Dessa forma, um representante do produtor questiona o diretor sobre o filme que está sendo feito, “sem atores”, “sem roteiro”, e o diretor responde simplesmente que continua a buscar o filme, como se esse processo de busca fosse o próprio filme. Em seu terço final, é como se o diretor passasse a “filmar esse filme que se estava a princípio procurando”, ou seja, uma história ficcional basicamente relativa a um jovem casal que se descobre apaixonado, participantes de um grupo musical. Essa dobra narrativa acontece de uma forma orgânica, mas por outro lado arrasta o filme, cuja duração é de quase 145 minutos. Ainda assim, não apaga a brilhante contribuição de Miguel Gomes, a magia dos seus primeiros noventa minutos, um maravilhoso e comovente passeio (num carro de bombeiro?) por um mundo realista e encantado.
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