(FestRio) Le père de mes enfants

O Pai dos Meus Filhos
de Mia Hansen-Love
** ½

Para mim, é muito difícil tentar falar sobre filmes mais de duas semanas após tê-los visto. Porque neste blog o que está em jogo é justamente dar conta do sentimento que floresceu em mim logo após a projeção. É certo que alguns filmes florescem ou desaparecem semanas após a sua projeção. O caso aqui é o de resgatar justamente o primeiro caso, mas o fato concreto é que os detalhes dessas sensações meio que submergem diante da avalanche de situações e de fatos posteriores, de forma que esses sentimentos se confundem e se tornam difusos, menos claros.

De qualquer forma, vou tentar dar conta pelo menos deste filme aqui, que foi o que certamente mais me impactou em todo o festival. Justamente nesta época de hesitação, como procurei desenvolver no prólogo (aqui), O Pai dos Meus Filhos, de Mia Hansen-Love é uma flecha certeira, incide diretamente na essência das coisas, quando questiona de forma muito direta e contundente o que andamos fazendo das nossas vidas e quais as conseqüências disso. Como se não bastasse, o filme fala de um produtor de cinema, que tenta ganhar a vida fazendo filmes menos comerciais e mais arriscados.

A francesa Mia Hansen-Love já fez críticas na Cahiers de Cinema e tem um trabalho como atriz. Atualmente casada com Olivier Assayas, esse é o seu segundo filme, exibido em Cannes, assim como o seu antecessor. Apesar desse currículo, eu diria que os filmes de Mia estão mais ligados a um típico cinema francês de personagens, mais do que obras cujo principal cerne é o trabalho inovador com a linguagem cinematográfica. Claro, com isso não estou querendo dizer que o filme seja desprovido de interesse em como lida com as questões de linguagem; ao contrário.

O Pai dos Meus Filhos é um filme sobre as aparências. Ele possui uma quebra narrativa definitiva que o divide em duas metades. A primeira metade é de um asfixiante crescendo, que culmina num ato pontual que leva a narrativa para um outro caminho. Essa quebra narrativa me lembra de Não Amarás, em que observamos o filme de uma forma muito íntima na sua primeira metade, e após um incidente, somos apresentados a um “contracampo”, isto é, a como o personagem que era observado passa a observar esse outro que antes observava.

De uma forma geral, não é diferente o que acontece em O Pai dos Meus Filhos. Acontece que nessa primeira metade do filme, apesar de acompanharmos de muito perto esse personagem, ele permanece razoavelmente opaco, e nisso, se assemelha a grosso modo aos recursos de um cinema contemporâneo. Podemos dizer que não é muito diferente de um Rosetta: esse produtor de cinema tenta a todo custo manter seu emprego, e a câmera o segue de muito perto, em seu conjunto de tarefas rotineiras para tentar manter sua empresa. Acontece que o filme está tão absorto nessas tarefas que asfixiam esse protagonista que sabemos muito pouco as suas reais preocupações, coisa que será um pouco mais clara na metade final do filme. E percebemos mais tarde que não se trata simplesmente de um emprego.

O Pai de Meus Filhos é um filme sobre esse contracampo.

Esse homem, esse produtor de cinema, tenta o tempo todo manter sua dignidade, manter-se sadio diante de um turbulento processo de tensão profissional. Poderia ser um homem de negócios, mas a escolha da diretora por ser um “produtor de cinema” acaba nos “pegando” mais, pois todo o filme incide sobre essa característica mágica e cruel do cinema de ser um empreendimento profissional e uma missão de vida de enorme envolvimento pessoal. Mas o que fica de tudo isso?

É linda a forma como Mia filma as crianças e a família, que nos lembra um pouco a forma doce como um cineasta como Jacques Doillon filma crianças. Tem uma cena em que as duas filhas apresentam uma peça de teatro caseira para o pai, e é a coisa mais linda do mundo a forma simples e doce como Mia filma esse ato. Há uma menina de cerca de treze anos que irá reavaliar a sua forma de estar no mundo diante do acontecido. Sente-se mais forte, frágil; sente-se com responsabilidade para seguir sua própria vida para frente, sente-se enfraquecida para fazê-lo: é a vida. A forma como a diretora filma essa adolescente é muito bonita. Em geral, O Pai dos Meus Filhos é um filme duro sobre as possibilidades da vida, mas me encanta muito certos elementos que Mia Hansen-Love encontrou para mostrar isso, de uma forma madura, dolorosa, mas sempre respeitosa aos seus personagens que sofrem, que se descobrem, mas que tentam, tentam sempre encontrar o seu caminho. É isso o que posso agora dizer sobre esse filme. É uma avaliação pouco romântica sobre a vida do produtor de cinema, mais interessante que A Noite Americana ou mesmo O Estado das Coisas.

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