(MFL): Gabriel Sanna
Do punk ao zen
(ou: especulações em torno da palavra Gabras)
Vendo uma retrospectiva de curtas de Gabriel Sanna, exibidos em conjunto na Mostra do Filme Livre, a primeira sensação é a de espanto em torno da modulação que envolve a singular filmografia desse realizador. Como é possível pensar a transformação de um punk em um zen? Os primeiros curtas de Gabriel Sanna ressoam uma espontânea agressividade, uma rebelde provocação: é o plano sequência para “surtar” os amigos (aspas minhas), é a anarquia furiosa de diferença ou repetição, é o discurso de Gui Cesarino em especulações em torno da palavra punk. Mas – quem diria! – o punk foi se “amansando”, descobrindo a poesia simples de uma borboleta pousada em seu pulso em amor à flor de lá, que parece ser o primeiro curta que vislumbra novos caminhos para o cinema de Sanna. Se no final de diferença ou repetição, o “sensível” era a sujeira encravada no decadente monumento da cidade (“o que restou da mineiração”...), agora “o sensível” é o leve pousar de uma borboleta. O que nos aponta para um improvável diálogo, pois não é que seus trabalhos primeiros não tenham poesia, mas uma poesia dura, agressiva, em contraposição ao lirismo de seus trabalhos recentes. Gui Cesarino já dizia “o punk está dentro do zen, mas o zen não cabe dentro do punk”. Não sabemos se hoje Gabriel Sanna concorda com as palavras de seu artista punk, mas ilustra essa inusitada modulação entre o punk e o zen. Do típico vazio zen de O Crepúsculo dos Ídolos ao trabalho recente em associação com Lucia Castello Branco – de onde surgem o luminoso Pequena Abertura para o Deserto, e seu trabalho mais recente, exibido na mostra, Proposição 24, além dos dois longas que pretendo falar num outro texto – o trabalho de Gabriel Sanna parece se mover numa outra direção: a busca do inefável. Essa palavra tem um emprego curioso, pois quase todos os trabalhos de Sanna com LCB se concentram em torno da palavra e da literatura. Mas Proposição 24 demonstra com clareza que não é só isso, mas também outras expressões artísticas (a dança, o cinema, as artes plásticas), e mais: é um curta sobre o próprio processo de criação (a dança sendo feita, a leitura do poema sendo feita, o curta sendo feito), mesmo da própria leitura, com seus erros e acertos (na verdade, a própria palavra “erro” aqui não vem ao caso, pois é processo em si, não resultado, e nos processos não há erros, e sim buscas, o que pode ser espelhado para o próprio filme em si), com seus tropeços que são respeitados como duração pela montagem. Mas todas essas trôpegas “especulações em torno da filmografia de Gabras” pouco esclarecem a respeito da nossa indagação inicial, essa modulação que permanece misteriosa, como é possível pensar a transformação de um punk em um zen? Os curtas de Gabriel Sanna exibidos nesta mostra mostram parte desse caminho, parte de um caminho que foi, mas também que está sendo, pois ainda está a desabrochar.
(ou: especulações em torno da palavra Gabras)
Vendo uma retrospectiva de curtas de Gabriel Sanna, exibidos em conjunto na Mostra do Filme Livre, a primeira sensação é a de espanto em torno da modulação que envolve a singular filmografia desse realizador. Como é possível pensar a transformação de um punk em um zen? Os primeiros curtas de Gabriel Sanna ressoam uma espontânea agressividade, uma rebelde provocação: é o plano sequência para “surtar” os amigos (aspas minhas), é a anarquia furiosa de diferença ou repetição, é o discurso de Gui Cesarino em especulações em torno da palavra punk. Mas – quem diria! – o punk foi se “amansando”, descobrindo a poesia simples de uma borboleta pousada em seu pulso em amor à flor de lá, que parece ser o primeiro curta que vislumbra novos caminhos para o cinema de Sanna. Se no final de diferença ou repetição, o “sensível” era a sujeira encravada no decadente monumento da cidade (“o que restou da mineiração”...), agora “o sensível” é o leve pousar de uma borboleta. O que nos aponta para um improvável diálogo, pois não é que seus trabalhos primeiros não tenham poesia, mas uma poesia dura, agressiva, em contraposição ao lirismo de seus trabalhos recentes. Gui Cesarino já dizia “o punk está dentro do zen, mas o zen não cabe dentro do punk”. Não sabemos se hoje Gabriel Sanna concorda com as palavras de seu artista punk, mas ilustra essa inusitada modulação entre o punk e o zen. Do típico vazio zen de O Crepúsculo dos Ídolos ao trabalho recente em associação com Lucia Castello Branco – de onde surgem o luminoso Pequena Abertura para o Deserto, e seu trabalho mais recente, exibido na mostra, Proposição 24, além dos dois longas que pretendo falar num outro texto – o trabalho de Gabriel Sanna parece se mover numa outra direção: a busca do inefável. Essa palavra tem um emprego curioso, pois quase todos os trabalhos de Sanna com LCB se concentram em torno da palavra e da literatura. Mas Proposição 24 demonstra com clareza que não é só isso, mas também outras expressões artísticas (a dança, o cinema, as artes plásticas), e mais: é um curta sobre o próprio processo de criação (a dança sendo feita, a leitura do poema sendo feita, o curta sendo feito), mesmo da própria leitura, com seus erros e acertos (na verdade, a própria palavra “erro” aqui não vem ao caso, pois é processo em si, não resultado, e nos processos não há erros, e sim buscas, o que pode ser espelhado para o próprio filme em si), com seus tropeços que são respeitados como duração pela montagem. Mas todas essas trôpegas “especulações em torno da filmografia de Gabras” pouco esclarecem a respeito da nossa indagação inicial, essa modulação que permanece misteriosa, como é possível pensar a transformação de um punk em um zen? Os curtas de Gabriel Sanna exibidos nesta mostra mostram parte desse caminho, parte de um caminho que foi, mas também que está sendo, pois ainda está a desabrochar.
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No próximo dia 01 estréia em São Paulo e outras capitais o longa-metragem FilmeFobia, do diretor Kiko Goifman.
www.filmefobia.com.br
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