Atualização relâmpago

Bom, antes de embarcar para Tiradentes, vou colocar aqui resenhas rápidas sobre os filmes vistos nos últimos dias, pois não sei se conseguirei fazê-lo na volta, em meio à correria dos preparativos do Carnaval. Quiçá eu mande notícias dos filmes vistos em Tiradentes, numa subversiva cobertura não-oficial.

Barão Olavo, o horrível
De Júlio Bressane
Caixa Cultural, Mostra Helena Ignez
* ½

Para ver Barão Olavo é preciso ter em mente seu contexto histórico de experiências de Belair de Julio Bressane e Rogério Sgangerla sobre quebra de narrativa e novas concepções de dramaturgia. Filme feito em esquetes de apelo cômico, com base no improviso e no deboche. E um diálogo ambíguo com o cinema de gênero. O terror ou o terrir (prelúdio ao Ivan Cardoso mas outra coisa). Ou, se preferirem, um filme sobre o Brasil de 1970: crítica (deboche) à estrutura patriarcal, crítica (deboche) à família (um anti-filme de Ozu). Barão Olavo ou General Olavo: poderoso, patético… terrrível. Provavelmente filmado na casa do Eliseu Visconti em Teresópolis (a mesma de Lobisomen). Curioso quando os personagens saem da casa e dialogam com o povo, alertando sobre os perigos do Barão: improviso, câmera na mão, “o que é o povo afinal?” No entanto, não é tão bem-sucedido quando Sem Essa Aranha e especialmente Memórias de um Estrangulador de Loiras. Mas é um filme curioso dado seu “contexto histórico”…

Ermo
de Salomão Santanna
DVD
**

Gostaria de falar com mais calma sobre esse primeiro longa em vídeo do cearense Salomão Santanna, que ficou conhecido no “circuitinho alternativo” carioca por conta de um vídeo chamado A Curva. Ao contrário de A Curva, Salomão, desta vez, não trabalha com imagens de arquivo: ele vai às ruas para filmar imagens de um terminal de ônibus em Fortaleza. Nesse seu olhar para uma Fortaleza urbana, com um cinema árduo nada convencional que se aproxima das artes plásticas, com uma idéia de caos e especialmente do trânsito, Ermo deve ser diretamente associado a Sábado à Noite, o belo estranho DOCTV de Ivo Lopes Araújo que causou grande polêmica por lá. As pessoas e os ônibus. Sons duros, não trabalhados. Planos longos, decupagem austera. Ao mesmo tempo, alguns elementos próprios: um pastor religioso, a idéia de ir às últimas consequências em um cinema de registro. Mas aqui já há um trabalho de “manipulação”: enquadramento e montagem (claro) mas também mudanças de cor e especialmente de foco. O trabalho do foco, entre o primeiro plano e o fundo, é uma das principais questões de linguagem do filme. Ainda que um trabalho em construção, Ermo nos desperta para a relevância do cinema cearense, que vem fazendo trabalhos em direta sintonia com o cinema contemporâneo.

Três filmes de Ozu
Putz… escrever rapidamente sobre três filmes de Ozu é dose, mas como a essência desse blog é essa, no meio da minha febre, é isso o que dá para dizer ao revê-los:
CUIDADO: TEM VÁRIOS SPOILERS SOBRE A HISTÓRIA.

Outono Tardio (LAte Autumn), de Yazujiro Ozu *** ½
Três tios querem arrumar um marido para a filha de um amigo morto, mas ela não quer se casare para não deixar a mãe sozinha. Os três patetas bolam um plano para casar a mãe da menina. Resta saber se ela quer.
No fim da carreira, Ozu ficou mais bem-humorado, vide esse Outono Tardio e o Bom Dia. Conhecendo a filmografia de Ozu, não seria exagero chamar esse filme de uma “screwball comedy”, uma comédia de equívocos. Mas ao mesmo tempo tem todo o cinema do Ozu de uma “exatidão” e de uma “precisão” impressionantes, sem nunca parecer formalista. Eu queria depois falar com mais cuidado desse final, um final muito impressionante, que me fez voltar ao final do Tokyo Story e a minha leitura da leitura do Bernardet sobre a leitura do João Moreira Salles sobre o filme do Ozu no final do Santiago (ufa…): o sorriso de canto de boca de Setsuko Hara. Aqui nesse filme há de novo. Os últimos seis planos são uma pérola: a filha vai casar e a mãe vai ficar sozinha. A mãe dobra um casaco e começa a “pensar em algo” com o semblante sério (é isso o que eu queria (e não consegui) no instante do meu filme do suicida quando o filho “ressuscita”…). Corta para a casa vazia. Volta para um plano mais fechado da mãe, só que dessa vez com um “leve sorriso de canto de boca”. Outro plano da casa vazia. Plano do corredor externo vazio. FIM. Por que esse sorriso de canto de boca? Hipóteses kierkegaardianas: 1) a solidão é assim mesmo mas ela vai ficar bem; 2) felicidade com o futuro da filha casada; 3) perdida nas memórias do passado com o marido; ou 4) “ vida é mesmo uma grande decepção, não?”. Não sabemos. O filme acaba. Que sorriso é esse?
Há outras sequencias fantasticas, não vou conseguir descrever.

Crepúsculo em Tóquio (Tokyo twilight) **
Um filme um tanto estranho de Ozu, extremamente soturno, com “plot demais” para ser um filme típico de Ozu. Pai com duas filhas: a mais velha que voltou para a casa do pai deixando o marido; e a mais nova, queacabou grávida e fez um aborto clandestino quando o “pai da criança” deu no pé. A mais nova quer descobrir porque a mãe abandonou a família, e acaba descobrindo que sua mãe trabalha numa casa de mahjong ali perto. Desesperada, ela vai até lá, pressionar a mãe para que lhe diga quem é o seu verdadeiro pai, porque ela não pode ser filha daquele que a criou, porque ela é diferente dele e ela o odeia. A mãe fala que claro que ela é filha de quem a criou. A garota se mata. A mãe vai para outra cidade; a filha mais velha volta para o marido. Acaba o pai saindo para ir trabalhar.
Filme sombrio, o tempo todo de noite e com muito frio, só que o plot é mais melodramático que um Ozu típico. Tem cenas interessantes, mas como um todo não é dos melhores de Ozu.

Começo de Primavera (Early Spring), de Yasujiro Ozu **
Setsuko Hara tem 28 anos e precisa casar. Seu chefe arruma um solteirão de 40 anos. A família pressiona para que ela case com ele, pois ele tem grana. Ela prefere um vizinho pobre, viúvo, com um filho. 144 minutos, arrastado que só (mais do que os Ozu de sempre). Tem coisas interessantes: uma delas é a habilidade como o Ozu enquadra a família se movimentando dentro do quadro, e como os diálogos mostram que as mulheres são “modernas e decididas”. Outra são os movimentos de câmera estranhos de quadros vazios, sem relação com ponto-de-vista ou dramaturgia, fora os que acompanham personagens caminhando. Lá pelos 30´de filme tem os dois primeiros planos com movimentos de câmera, que o Ozu vai abolir de vez um pouco mais tarde em sua filmografia.

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