Fome de Amor
Fome de Amor
De Nelson Pereira dos Santos
Odeon sab 8 21hs
Vários dos filmes do Nelson Pereira dos Santos foram recentemente restaurados pela Petrobras, e devem sair no próximo ano em DVD. Para comemorar o feito, nesta semana, no cinema Odeon, houve uma projeção em cópia 35mm dos filmes restaurados. No sábado, fui ver Fome de Amor, filme que gostaria bastante de rever. Na primeira vez que o vi, há uns sete anos, achei o melhor filme do Nelson. Agora, na revisão, não fiquei tão entusiasmado, mas ainda assim foram confirmadas as qualidades do filme, principalmente se pensarmos nas circunstâncias históricas em que o filme foi feito.
O filme fala da relação de dois casais numa ilha: de um lado, Arduíno Colassanti e Irene Stefânia; de outro, Paulo Porto e Leila Diniz. Lá para meados do filme, há uma troca de casais: Colassanti e Diniz representam o sol e a vida; Stefânia e Porto são os intelectuais monossilábicos que preferem a sombra. Vivem os quatro isolados numa ilha, onde as tensões vêm à tona. Esse cinema intimista nos lembra de temas dos filmes de Ingmar Bergman e também (por que não?) de Walter Hugo Khouri (principalmente na forma como Colassanti é às vezes tratado como um cafajeste). Mas o que nos impressiona é a forma moderna com que Nelson conta essa história, com flashbacks e flashforwards narrativos, que mesclam o que é fato e o que é mero desejo dos personagens. Essa liberdade narrativa, conjugada pela eficiente montagem de Rafael Justo Valverde, entra em nítido contraste com um dos principais temas do filme, talvez o central: fazer uma certa representação política de um Brasil, ou ainda, de uma América Latina. Fome de Amor é nessa medida, um filme de exílio do Nelson, de exílio inclusive das próprias características típicas da sua filmografia, uma ilha dentro de uma ilha. Daí a importância do início do filme em Nova Iorque para em seguida mergulhar no universo em certa medida claustrofóbico da ilha.
Mas Fome de Amor é um filme sobre o exílio porque é um filme político, e especialmente o final do filme nos causa grande impacto. O personagem de Paulo Porto é um líder latino-americano mas que agora é cego, surdo e mudo. Que revolução passa a ser possível então? Como o personagem de Colassanti diz, “ele pode ter sido alguma coisa, mas agora ele não é mais nada”. Sua esposa, Leila Diniz, é a encarnação da vida, do sexo, do desejo. E, assim os pares se dividem. Ao final do filme, numa grande festa, o filme assume sua “porraloquice”: o título nos esclarece, a fome agora é de amor, de vida, de carinho, por algo que transcende o material, o físico. Lá pela metade do filme, um personagem grita: “onde está o povo?”. O cinema brasileiro é uma ilha, e em 1966, Nelson foi corajoso de apontar os limites dessa revolução: lá do outro lado da ilha, correndo solitários estão os “personagens-sombra”, os intelectuais sombrios, os apolíneos; do lado de cá (conosco, onde está a câmera de Nelson), estão os “personagens-sol”, a vida, o desejo, a festa, os dionisíacos.
A opção de Nelson “pelo lado de cá”, pelo lado da vida, através da anarquia da festa ao final de Fome de Amor sinaliza os rumos do futuro próximo de sua filmografia: a busca pela desconstrução. É o que vai mostrar seus três filmes seguintes: Azyllo Muito Louco, Como Era Gostoso Meu Francês, e Quem é Beta?.
De Nelson Pereira dos Santos
Odeon sab 8 21hs
Vários dos filmes do Nelson Pereira dos Santos foram recentemente restaurados pela Petrobras, e devem sair no próximo ano em DVD. Para comemorar o feito, nesta semana, no cinema Odeon, houve uma projeção em cópia 35mm dos filmes restaurados. No sábado, fui ver Fome de Amor, filme que gostaria bastante de rever. Na primeira vez que o vi, há uns sete anos, achei o melhor filme do Nelson. Agora, na revisão, não fiquei tão entusiasmado, mas ainda assim foram confirmadas as qualidades do filme, principalmente se pensarmos nas circunstâncias históricas em que o filme foi feito.
O filme fala da relação de dois casais numa ilha: de um lado, Arduíno Colassanti e Irene Stefânia; de outro, Paulo Porto e Leila Diniz. Lá para meados do filme, há uma troca de casais: Colassanti e Diniz representam o sol e a vida; Stefânia e Porto são os intelectuais monossilábicos que preferem a sombra. Vivem os quatro isolados numa ilha, onde as tensões vêm à tona. Esse cinema intimista nos lembra de temas dos filmes de Ingmar Bergman e também (por que não?) de Walter Hugo Khouri (principalmente na forma como Colassanti é às vezes tratado como um cafajeste). Mas o que nos impressiona é a forma moderna com que Nelson conta essa história, com flashbacks e flashforwards narrativos, que mesclam o que é fato e o que é mero desejo dos personagens. Essa liberdade narrativa, conjugada pela eficiente montagem de Rafael Justo Valverde, entra em nítido contraste com um dos principais temas do filme, talvez o central: fazer uma certa representação política de um Brasil, ou ainda, de uma América Latina. Fome de Amor é nessa medida, um filme de exílio do Nelson, de exílio inclusive das próprias características típicas da sua filmografia, uma ilha dentro de uma ilha. Daí a importância do início do filme em Nova Iorque para em seguida mergulhar no universo em certa medida claustrofóbico da ilha.
Mas Fome de Amor é um filme sobre o exílio porque é um filme político, e especialmente o final do filme nos causa grande impacto. O personagem de Paulo Porto é um líder latino-americano mas que agora é cego, surdo e mudo. Que revolução passa a ser possível então? Como o personagem de Colassanti diz, “ele pode ter sido alguma coisa, mas agora ele não é mais nada”. Sua esposa, Leila Diniz, é a encarnação da vida, do sexo, do desejo. E, assim os pares se dividem. Ao final do filme, numa grande festa, o filme assume sua “porraloquice”: o título nos esclarece, a fome agora é de amor, de vida, de carinho, por algo que transcende o material, o físico. Lá pela metade do filme, um personagem grita: “onde está o povo?”. O cinema brasileiro é uma ilha, e em 1966, Nelson foi corajoso de apontar os limites dessa revolução: lá do outro lado da ilha, correndo solitários estão os “personagens-sombra”, os intelectuais sombrios, os apolíneos; do lado de cá (conosco, onde está a câmera de Nelson), estão os “personagens-sol”, a vida, o desejo, a festa, os dionisíacos.
A opção de Nelson “pelo lado de cá”, pelo lado da vida, através da anarquia da festa ao final de Fome de Amor sinaliza os rumos do futuro próximo de sua filmografia: a busca pela desconstrução. É o que vai mostrar seus três filmes seguintes: Azyllo Muito Louco, Como Era Gostoso Meu Francês, e Quem é Beta?.
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