De muitas formas HIROSHIMA MEU AMOR é um prolongamento das
questões apresentadas em NOITE E NEVOEIRO. Este média documental de Resnais, de
meados dos anos cinquenta, é um documento extremamente importante por
investigar os campos de concentração na França de HOJE (de meados dos anos
cinquenta). A coisa mais bonita que se pode dizer sobre NOITE E NEVOEIRO é que
foi filmado em cores, "para mostrar que a grama cresce mesmo na terra dos
antigos campos de concentração, e que ela é verde". É importante MOSTRAR o
que houve, e não apagar, esquecer o passado. O filme fala sobre a memória,
sobre a permanência da memória. E que a vida, o verde, soterram o absurdo, a
morte, daquele lugar. Para isso, trabalha com impressionantes imagens de
arquivo, dando a VER o que aconteceu lá. Ainda, quebra o documentário meramente
informativo, colocando uma certa carga poética, presente no texto e num modo de
ler o texto. Era preciso romper com a célere frase de Adorno que "não era
mais possível fazer arte ou poesia após os campos de concentração". Era se
como Resnais quisesse dizer que não apenas era possível mas era preciso.
HIROSHIMA MEU AMOR prossegue esse movimento investigativo de
examinar as repercussões da Guerra na Europa de hoje. Mas agora vai ao Japão, à
Bomba de Hiroshima. Mas agora trata-se de um filme de ficção. Ficção? O início,
um pouco aos moldes de NOITE E NEVOEIRO, traz uma impressionante pesquisa de
material de arquivo. Ao mesmo tempo, a narração subjetiva, antes de descrever o
que vemos, nos faz criar um contraponto à possibilidade de vermos o que de fato
aconteceu. O japonês responde a ela (a nós): "Não, você não viu nada em
Hiroshima". A visão, a imagem, nunca conseguem reproduzir a dor da experiência.
A imagem mostra, mas ela também esconde. A imagem é um substituto falho para a
experiência do real, por mais chocante que seja essa imagem. HIROSHIMA MEU AMOR
nos fala sobre a memória mas também sobre seus fracassos, sobre suas limitações.
Ela, uma francesa de Nevere, França; ele, um japonês de
Hisoshima, Japão. Um casal que se une temporariamente. Conhecer-se um ao outro.
Dizer ao outro o que se é. Narrar a si mesmo para o outro. HIROSHIMA é também
devoto à literatura de Marguerite Duras, sobre o poder e as impossibilidades da
palavra, da linguagem. Mas ela também é sinal de encontro, ainda que precário.
Para que a francesa de Nevere possa sobreviver, ela não só precisa se lembrar
do que aconteceu, já que a memória do que houve é parte do que a faz, mas ela
também precisa SE ESQUECER do que houve, porque se carregar em seu corpo todos
os detalhes dessa dor tão mórbida, ela se tornaria tão fraca a ponto de
enlouquecer.
Talvez esse seja o passo de HIROSHIMA em relação ao anterior
NOITE E NEVOEIRO. Ao mesmo tempo em que a palavra e a imagem são importantes,
em que a memória é fundamental, em que é preciso nos lembrar do que houve, é
preciso também esquecer. É preciso lembrar e é também preciso esquecer. É nessa
dialética que persiste a nossa capacidade de sobreviver.
HIROSHIMA é uma ficção. São dois atores que representam duas
pessoas, dois países, duas culturas, etc. São um casal. É um filme sobre a
imagem e sobre a palavra. Ao mesmo tempo, é um documentário. Poesia e realismo,
possíveis em conjunto: a poesia como forma de aprofundar uma experiência de
viver. Num determinado momento, Resnais também faz uma autocrítica, mostrando
que o cinema (um outro cinema), também pode ser usado como meio de exploração
da vitimização e da pacificação (os filmes institucionais sobre a paz, que
parecem falsos, quase como se anestesiassem a experiência da dor, ao invés de
promover qualquer reflexão sobre o que aconteceu).
1959: um ano transformador no cinema francês. Alain Resnais,
esse cineasta solitário que não foi "nouvelle vague" mas também não
deixou de ser. Por mais de cinquenta anos, esse cineasta solitário e inquieto
permaneceu investigando as possibilidades e as limitações da linguagem e da memória.
Seu último filme, aos quase noventa anos, se intitulou "vocês ainda não
viram nada".
Ave Resnais!
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