TUDO BEM
TUDO BEM
de Arnaldo Jabor
Ontem exibi TUDO BEM, o filme do Jabor, para minha turma de
cinema brasileiro e fiquei espantado em perceber como o filme envelheceu ao
mesmo tempo que se revela atual. O filme envelheceu não apenas em suas opções de
encenação – um texto excessivamente marcado com intenções por demais explicitadas
sem sutileza, um enorme exagero caricato expresso no corpo e na voz dos atores
por meio de um teatro gritado, etc. – mas especialmente em como o filme está
por demais preso ao contexto do Brasil de sua época: junto com BYE BYE BRAZIL,
me parece que TUDO BEM é um dos grandes filmes brasileiros que reflete o final
dos anos setenta, o fim do sonho, o fim das utopias, o desencanto com a
possibilidade de transformar o país, e a falência dos intelectuais, do próprio
cinema novo, em construir um país melhor. Acontece que para Jabor falar sobre
esse desencanto ele se fecha para as possibilidades do sonho: ele simplesmente
faz um diagnóstico do atraso, do arcaísmo da classe média e da classe pobre
brasileiras mas não aponta nem para as causas desse atraso nem para qualquer
possibilidade de superação desse estado, como se isso fosse imanente. Ou pior,
mais do que resignar-se a um país de que não se gosta, o filme, através de seu
tom de comédia rasgada, adota um discurso crítico niilista que muitas vezes
descamba no cinismo. Assim, o tom de comédia de TUDO BEM em muito difere do tom
de comédia de OS INCONFIDENTES, já que o filme de Joaquim Pedro investiga as raízes
históricas desse atraso, ligado à traição, o egoísmo, à covardia, à pequenez,
e, especialmente, à falta de um projeto político, das elites brasileiras (ou
ainda, uma certa classe média que buscava atingir o poder) que propuseram uma
outra forma de governo, muito mais para as suas próprias conveniências
individuais do que por um projeto político de superação de um atraso. A comédia
farsesca de Joaquim Pedro estava ancorada num teatro brechtiano, de afastamento
da identificação dos personagens com o público, ou seja, num teatro político. Já
em TUDO BEM me parece que se ainda vemos uma farsa com forte crítica política,
e a impossibilidade de o público se identificar (torcer, amar) seus personagens
por demais patéticos e caricatos, a comédia rasgada, se também assume um tom
teatral (os personagens estão num palco representando papeis – os de empregado,
patrão, etc, para a outra classe e dentro da própria família), a referência me
parece mais próxima do teatro de revista. É interessante percebermos como, cada
vez mais, à medida em que a obra prossegue, o dia-a-dia dessa família se revela
um verdadeiro pandemônio, a casa vira um microcosmo de um país, e o próprio
filme vai se espiralando, tornando-se cada vez mais caótico, preenchido
basicamente por esquetes independentes, em que os atores funcionam muito mais
como presença cênica, com performances cênicas, do que propriamente com uma
dramaturgia coesa. Talvez esse seja o grande mérito do filme. Ou ainda, o que
faz num certo ponto o filme se aproximar da chanchada, ou ainda, se aproximar
do cinema marginal (o sujo, o feio, o grotesco, a fragmentação, as esquetes autônomas,
o cinema possível, as performances cênicas). Um exemplo típico, talvez o ápice
dessa presença do cinema marginal, é quando a personagem da Zezé Motta (uma
empregada) faz um “show musical” na cozinha cantando “Como nossos pais”: esse “número
musical” improvisado se revela quase como uma paródia dos próprios números
musicais da chanchada, e nessa revisitação da chanchada, se aproxima do cinema
marginal. Essa aproximação se dá muito nesse desejo de o filme tocar num certo
nacional-popular, num cinema que busca uma comunicação com o público, ainda que
um lado meio apelativo, de mau gosto. É o cinema possível, num país que já se
deixou de sonhar, busca-se um cinema pragmático, um cinema da sobrevivência. Desencanto
e pragmatismo que torna a experiência de ver TUDO BEM hoje, trinta e cinco anos
depois, uma experiência, mais do que triste, melancólica, difícil, mas que nos
gera um enorme mal estar. E que por isso se revela assim, atual, pela forma anárquica
como o filme critica o atraso de um país.
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