“Quando fazemos filmes, tentamos não dizer asneiras: trabalhando, dinamitando os clichês, voltando atrás, corrigindo, renunciando, acrescentando. Mas depois na vida, dizemos disparates e acabamos por destruir uma parte do trabalho que fizemos com os nossos filmes.”

Ontem revi Onde Jaz o Seu Sorriso?, o belo filme feito por Pedro Costa mostrando o processo de montagem de um filme dos Straubs. Entre as inúmeras passagens marcantes do filme – que é sem dúvida uma verdadeira aula sobre montagem, sobre o cinema, e sobre a vida – fiquei com esta. É uma frase linda sobre a relação entre o processo de criação e a vida, e ilustra um pouco do que está em jogo no cinema dos Straubs. Primeiro, por “tentar não dizer asneiras”, travar com o cinema uma relação séria, sem a futilidade de um outro tipo de cinema. Em seguida, Straub lista um conjunto de verbos, numa ordem tão bem concatenada que nos surpreende que a frase tenha sido simplesmente espontânea: fazer cinema é “voltar atrás”, é “corrigir”, e é também sem sombra de dúvidas “renunciar”. O emprego da palavra “renunciar” – Straub já tinha falado um pouco sobre isso anteriormente no filme – é lindo, mas ainda mais a que vem a seguir, e que fecha a frase: fazer tudo isso mas sempre, sempre pensando em “acrescentar”. Renunciar para acrescentar, voltar atrás para acrescentar.

Mas na vida não é possível que o tempo todo consigamos nos policiar. Muitas vezes não há como voltar atrás. É praticamente impossível manter nossa coerência 100% do tempo, ou ainda, não há como viver sem negociar, sem ceder, sem cometer pequenas traições, seja por cansaço, seja por acomodação, seja por medo da solidão, seja porque simplesmente somos imperfeitos e fracos, mesmo.

Huillet reclama que Straub fala demais, fala asneiras e não a deixa se concentrar na imagem, apenas na imagem. Há determinados momentos em que é preciso se concentrar na imagem, e todo o resto provoca uma dissipação de energia – diz Huillet. Ela reclama que Straub fala demais, que para falar menos asneiras basta que nos calemos por alguns instantes.

Ela tem razão, mas a brilhante intervenção de Straub – madura, dolorosa – nos aponta para uma coisa complementar: ainda que seja impossível “deixar de dizer asneiras”, é preciso que pelo menos no cinema nos concentremos para fazer algo digno.

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