Wendy and Lucy

Wendy and Lucy
de Kelly Reichardt
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Não vou conseguir desenvolver isso aqui, dada a correria do rumo das coisas, mas pelo menos esse fato precisa ser aqui registrado: Wendy and Lucy, o segundo filme da americana Kelly Reichardt, é um dos mais formidáveis filmes a que assisti recentemente. Com isso, não quero dizer que seja uma obra-prima: ao contrário, é um filme menor, mas cuja beleza vem exatamente da importância desses “filmes-menores”, da humildade de suas ambições. Já ouvimos muito falar a respeito de um certo “cinema independente americano”, termo que virou uma espécie de febre desde a vitória de Sexo, Mentiras e Videotapes em Cannes e que se consagrou com o consolidação do tal Festival de Sundance. Mas acontece que esse tal cinema se cristalizou como mero fetiche do alternativo, como uma nova marca dos estúdios (por exemplo em Sony Classics ou algo do tipo) sem que de fato isso implique num olhar mais fértil dentro do cinema americano. Dessa forma, quando pensamos em “um pequeno filme americano, de pessoas comuns e situações rotineiras” já nos passa um conjunto de lugares-comuns em nossas cabeças, mas Wendy and Lucy dá um novo fôlego nos filmes vistos recentemente porque, de um lado, ele nega os cacoetes do chamado “cinema contemporâneo”, por outro, porque oferece um olhar extremamente humano sobre esse universo, dando diversos “passos atrás”, simplificando para ganhar terreno.

Uma quase-adolescente quer trabalhar no Alaska, mas seu carro quebra no meio do caminho. Ela só tem como companhia sua cachorrinha. Ela a perde, e tenta recuperá-la mas esbarra com a indiferença dos habitantes de uma cidadezinha nos Estados Unidos.

Assolada com o desemprego, com a falta de dinheiro, e com uma busca por algo que na verdade simboliza a possibilidade de uma vida mais humana, Wendy and Lucy se parece um pouco com um filme neo-realista italiano, tem inúmeros paralelos com Ladrões de Bicicleta. No entanto, ao invés da labiríntica cidade de Roma, que se torna uma das protagonistas do filme italiano, Richardt filma o interior americano através de planos gerais que reforçam o vazio e o isolamento da menina, afirmando o sentido de um deslocamento. Ao invés da narrativa em espiral e da labiríntica geografia dos prédios e sobrados da cidade de Roma, Wendy and Lucy é inspirado pelas amplas planícies do interior americano, como nos chamados “quadros rurais” de Edward Hopper sobre a New England (veja um exemplo aqui )

A busca de Wendy por sua cachorra na verdade acaba sendo um espelho de sua busca pela possibilidade do afeto; sua busca por emprego, mais do que um retrato social, se revela a busca de uma identidade própria, de uma auto-afirmação. Wendy and Lucy mostra o desacerto da sociedade americana entre a busca pela independência e a solidão desse percurso.

Reichardt, cujo primeiro filme (Old Joy) já tinha recebido elogios, opta pela simplicidade, e acerta quase sempre, embora às vezes esbarre em algumas soluções meio piegas. Ainda assim, para mim, é um dos grandes filmes vistos recentemente, é um dos filmes recentes que mais ficaram comigo, para além da projeção. Isso porque, de forma muito íntima e delicada, sugerindo mais do que dizendo, o filme expõe essa enorme dificuldade que é estar vivo, tentar ser sensível e esbarrar na indiferença das pessoas, através de um cinema que prefere respirar e fazer o espectador sentir esses momentos do que mostrar “que se sabe filmar” ou “que se está antenado ao que se está fazendo”. Só isso já faz com que o pequenino Wendy and Lucy seja um filme fundamental.

Comentários

juliano disse…
Ikeda,
acho que a moça tem uma boa mão, o filme é narrado de maneira bem fluida com ótimos momentos, principalmente quando se afasta dos clichês de filme de festival.
Mas acho que ela podia sofrer menos, tudo no roteiro é opressão, em nada há saída. Ela só se diverte na 1ª cena do filme... Acho que isso tira um pouco da vida do filme. No mínimo, isso foi me afastando dele. Mas vou ficar de olho na moça. Ele dá de 10 no filme do Sean Penn, que te um argumento parecido.
abraço,
juliano

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